Presto atenção aos homens simples. Eles
podem ser vistos em bares e lanchonetes
inseridos num cotidiano sem expectativas, a não ser o cumprimento de pequenas
obrigações diárias. Outro dia os vi em lados opostos de um balcão negociando a
compra e venda de balas, guardanapos e canudinhos de plástico. Estavam
sorridentes, em nada lembravam a circunspecção dos gerentes de banco, dos
executivos apressados, dos engravatados que não têm tempo para descontração
quando tratam de negócios, coisa que só
é possível à gente desapegada.
Enquanto dois negociavam, um que me
pareceu ser o porteiro do edifício comercial da mesma galeria, aproximou-se
como um curioso, conferiu a mercadoria, trocou algumas palavras e foi embora
como se tivesse cumprido uma rotina informal de trabalho.
A vida desses homens não me parece
relacionada a decisões dramáticas. Basta saberem se vão vender ou comprar dois quilos de
balas, se os candidatos descartáveis são feitos de material mais ou menos
flexível, como suas próprias vidas adaptadas a todas as circunstâncias. Entram
e saem sorridentes das dezenas de bares enfileirados na mesma rua, não
competem, antes se ajudam carregando pacotes pesados e negociam como
personagens de histórias perdidas lembrando-me a trajetória de meu avô
italiano, que foi um grande comerciante numa cidade pequena do Estado de São
Paulo. Num tempo em que as lojas não
eram especializadas, ele vendia de tecido à material de construção num armazém
que minha mãe descrevia como uma atração pata a população rural e urbana. Pelos
relatos dela, parece que a existência corria plena, o negócio prosperou sem
ataques de depressão e achaques de concorrência.
Penso que há muitas formas de se ganhar a
vida, umas demandam anos de estudo, como a que escolhi e da qual não me
arrependo, mas me flagro às vezes pensando que seria bem mais fácil vender doces, lingerie ou instrumentos musicais. Fosse assim, talvez
eu não tivesse uma ruga cada vez mais visível entre as sobrancelhas, meus olhos
estariam menos cansados, um sorriso fácil, como o que vi no rosto dos
comerciantes, dançaria em minha boca por nada. Ou apenas porque alguém veio me
vender balas de menta que refrescam o dia, além do hálito.
Às vezes me ressinto de não ter escolhido uma profissão que me inserisse no
cotidiano quando o sol nasce para me recolher à noitinha sem trabalho por
terminar, porque, ao contrário dos textos, vejo que as balas são acondicionadas
em balcões uma única vez e ao necessitam
de revisão nem complementos.
Jornalistas vivem de cabeça cheia, têm pesadelos
com títulos com erro de grafia, são assombrados por furos e notícias fora de
hora, acordados em sobressaltos quando algum incêndio acontece e a gente não
pode chegar ao local depois que acabou, sob a pena de ter que criar no sufoco
uma legenda do tipo “onde há fumaça há fogo”.
Mas pensando bem, talvez eu sentisse um
tédio danado se passasse a vida num balcão do lado oposto da clientela, sem
poder matutar sobre a pauta ou sem criar enredos como este que acabei de
escrever partindo de uma cena de rua que sempre me enternece quando desembarco
em Londrina, cidade que me faz refletir sobre as minúcias do cotidiano enquanto
tomo café,
Para ser uma pequena comerciante terei que
nascer outra vez e ficar longe das canetas e dos computadores que me provocam uma espécie de
frenesi de contadora de histórias, enquanto uma bala de menta derrete na minha
boca no momento exato em que termino este texto, acordando do sonho de ser uma
vendedora de canudinhos flexíveis, como deveria ser nossa própria vida. ( Texto extraído da Folha 2, escrito por
CÉLIA MUSILLI, celiamusilli@terra.com.br WWW.sensiveldesafio.zip.net publicado pela FOLHA DE LONDRINA, domingo 31
de Agosto de 2014).
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