Meu dia só começa depois da primeira
xícara de café. É a rotina, desde criança. Nunca fui de leite, menos ainda de
achocolatado. Gosto mesmo é de um bom
cafezinho . Sem açúcar é perfeito. Gosto de sentir aquele amargo meio doce para
assim poder ver a vida e o dia com bons olhos. É nessa hora que o sol diz bom
dia!
Quando eu era pequena, eu á contei isso
por aqui, tinha um pé de café no jardim da casa onde nasci e cresci, bem no
meio da área urbana. Era uma amostra isolada do que naquele tempo ainda cobria
o horizonte no campo. E rendia aquele pé de café.
Todo ano a gente repetia o mesmo ritual:
colhia os grãos, deixava secar, depois descascava, torrava e moía. Era uma
alegria só. O pó caseiro durava uns meses. Uma vez por semana, para completar o
que era bom, a vó fazia pão em casa. E, claro, não sem cerimônias: depois de
amassar e colocar a massa para
descansar, ela separava uma bolinha e colocava em um copo com água ; quando a
bolinha subia era porque o pão já estava bom para ir ao forno. Dali a pouco
vinha aquele cheirinho inconfundível que inundava a casa. Me lembro bem disso tudo. Pão quentinho com manteiga e
café caseiro quentinho. O par perfeito.
Estava certa que daí vinha meu vício e minha relação
de afeto com o café. Mas outro dia fui pega de surpresa. O amor vem de antes.
Assim do nada, em poucas palavras, a vó contou que nasceu debaixo de um pé de
café. Isso lá nos idos de Julho de 33. Estava frio, a bisa foi pra casa
trabalhar como todo dia e entrou em trabalho de parto. Não deu tempo de voltar
para casa e a vó nasceu ali mesmo, no meio do cafezal. Diz ela que foi
embrulhada no pano de prato que a bisa levava enrolado na marmita. Tudo assim, muito
simples, sem drama.
Naquele tempo parto bom e humano era
aquele em que a criança nascia bem, como tem que ser e do jeitinho que a vida
gosta. Nada de polêmicas. A vó nasceu. E a vida gostou do que viu. Veio ao
mundo com muita saúde e cheia de histórias para contar e se aparecer, lógico,
como uma boa leonina. Foi ali que nasceu
o vício e todo o afeto.
Hoje, no dia a dia, faço meu próprio café.
Mas gosto mesmo é do dela. Com açúcar e tudo
preparado no coador de pano. Para brindar seus 81 anos, completados essa
semana, tomamos um bom café. E, ali na
varanda, sentadas nas cadeiras de corda, ela contou mais uma vez a história que
eu já sei de cor e salteada, de quando ela ainda era mocinha e cuidava da casa
enquanto todo mundo ia para roça e ficava ouvindo rádio e escrevendo cartas
para o radialista e sonhando em conhecê-lo. “Se fosse hoje, filha, eu teria
ido...”
Na quarta-feira, depois da xícara de café, a vida disse mais
uma vez bom dia! ( Texto escrito por ERIKA ZANON,
jornalista da FOLHA. Publicado na FOLHA RURAL,
no espaço Dedo de Prosa, dia 28 de Julho de 20l4,da FOLHA DE LONDRINA ).
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