Vi na TV reportagem sobre profissões em
extinção. Devo confessar que vejo o jornalismo em extinção, no momento em que
eu, você, todos podemos ser “repórteres”. Reflexo também da legislação que
facilita o exercício da profissão sem preparo e sem diploma, o caso do
jornalismo enfrenta ainda outros fatores que dificultam sua sobrevivência, à
medida em que nas redes todos noticiam
tudo, com as vantagens da livre expressão e a desvantagem das informações
equivocadas dadas por pessoas que não sabem que para “noticiar” ou mesmo
divulgar é preciso um mínimo de ética, coisa que não se aprende fazendo
“reportagens” ocasionais e sem
compromisso.
Mas o objetivo deste artigo é comentar
outras profissões que aos poucos se extinguem, processo que eu já observava há
décadas porque tive um pai relojoeiro que, lá pelos anos 80, falava na extinção
de seu ofício tendo em vista o surgimento dos relógios a bateria. Agora, vejo
pesquisas que dá por moribundas profissões que considero poéticas para a vida
das cidades, como a dos carteiros.
Está certo que quase mais ninguém escreve
cartas, mas ainda gosto de abrir a porta ao carteiro que vem me entregar um
livro com um sorriso e aquele caderninho de anotações que assinamos para certificar
o recebimento da encomenda. Aqui em casa, eles chegam depois do meio-dia e sua
vinda me avisa também que o tempo urge. Poderia citar ainda outras vantagens de se ter os carteiros,
pessoas que perambulam pela cidade e sabem como ninguém nos ensinar endereços e
ruas. Eles sabem tudo, conhecem cada travessa e cada beco, enfim, têm o mapa da
cidade na ponta da língua e sempre dou preferência às suas informações quando
batem lá em casa. Diria mesmo que, como jornalista, sempre acabo entrevistando os carteiros.
Outra profissão em extinção, segundo
a lista divulgada, seria a das
aeromoças, essas mulheres inteligentes que entendem como ninguém os piripaques
dos passageiros, nos acodem em caso de enjôo, nos trazem refrigerantes e avisam
que a poltrona não deve ficar inclinada na hora da decolagem. Aeromoça sempre
foi considerada profissão de mulheres bonitas que se maquiam e se enfeitam,
mantendo a feminilidade na terra e no
ar. Acho isso tão poético quanto o sorriso dos carteiros.
Ouvindo minha defesa das aeromoças, minha
sobrinha me informa que no vôo que fez para a Austrália já não precisou pedir
água às comissárias de bordo. Havia um filtro para os passageiros que iam
diretamente à fonte, sem intermediários. Fiquei imaginando que não demora muito
e todos os vôos terão filtros, máquinas de café e sorvete, compartimento onde
se pega mais travesseiros sem a necessidade de pedir nada a ninguém. Quando
isso acontecer, nos tornaremos pessoas mais práticas, os aviões vão ganhar em
tecnologia e perderemos os sorrisos das aeromoças e também os nossos na
contrapartida. Seremos todos mais sisudos sem a necessidade de exercitar a simpatia.
A falta de alguns exercícios tem tornado o
mundo cada vez mais sério. Embora eu ainda me engane com as máquinas que nos
dão cartões eletrônicos nas portarias
enquanto olhamos para aqueles acessórios metálicos, rígidos como um poste, que
nos dão “bom dia” e “boa tarde”. Tenho ímpetos de responder à máquina, mas sem
reciprocidade recuo, guardando o meu
“obrigada” e me sentindo cada vez menos humana.
O máximo de eficiência com falta de
reciprocidade encontra-se hoje nos hotéis econômicos onde chegamos, recebemos a chave e abastecemos
sozinhos o quarto, passando nas lojas de conveniência para pegar pizzas chocas,
sanduíches congelados e água mineral antes de nos acomodarmos definitivamente.
Temo que não falta muito para nos darem nas recepções uma
vassoura para limparmos o quarto na
saída. Nada contra a eliminação das funções consideradas subempregos, mas temo
por um desemprego cada vez maior num mundo de máquinas que não sorriem nem que
a gente lhe faça cócegas. Sem contar que me ressinto da falta de garotos que
faziam pacotes em supermercados e funcionários capazes de me dizer um bom dia verdadeiro, sem o estalo metálico das
máquinas que abrem “a boca” para receber o cartão, me assustando como um buraco
negro que engole também as relações humanas. O que está faltando no mundo é
coisa que máquinas não tem: simpatia,
algo muito além das gentilezas forçadas.
( Texto escrito por CÉLIA MUSILLI,
celiamusilli@terra.com.br WWW.sensivelldesafio.zip.net publicado No jornal FOLHA DE LONDRINA,
domingo, 27 de Julho de 20l4.
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