NO JAZZ aprende-se ouvir cada
instrumento; na chácara, a ouvir a
chuva. Bate no telhado, farfalha na folhagem, batuca na bananeira, escorre no
beiral, jorra da calha, murmura na enxurrada, gorgoleja no ralo, dá suadouro nas
paredes, embolora nos armários, cultiva o tédio e aumenta as contas
telefônicas.
BRANQUINHA todo dia vai conosco à academia na praça, o rabo abanando feliz, farejando tudo, passo
ligeiro e olhar agradecido. Gosta de correr de outros cachorros pelo gramado,
tão veloz que ninguém consegue alcançar a bichinha, que depois volta para nós
com a língua de fora e olhar triunfante. Mas, outro dia, apareceu cachorro
grande, que rosnou arreganhante para ela e, imediatamente, um chumaço de pelos se levantou
na base de seu rabo, do tamanho de meia bola de tênis. O cachorro se foi, o
inchaço cessou. Nada muito surpreendente, se lembarmos que nosso cócci é
resquício do tempo em que tivemos rabo.
PLANTAMOS dois oitis na calçada da praça, e, com tanta chuva, estavam
bonitos que só vendo, mas alguém arrancou o ponteiro de um deles. Alguém
apedrejou Jesus, alguém enxugou seu rosto. Alguém cata lixo na calçada, alguém
joga lixo do carro. Alguém canta, alguém xinga. Então botamos mais estercos secos nos oitis, a lhes
dar força para resistir, crescer com troncos fortes resistentes a agressões. A
agressão passa, o crescimento continua. Enquanto houver sol e chuva,
plantaremos. Como dizem os Stones, o tempo está do nosso lado.
BEIJA-FLOR voeja de flor em flor, a mostrar como se parece com o
elefante: um tem bico comprido e outro
compridos chifres, ambos estão sempre comendo e não fazem mal a ninguém.
CAETANO estreou a enxadinha comprada para ele, todo feliz, capinando
mato aqui e ali, tanto que os cabelos grudaram suados na cabeça. Depois,
tomando suco, perguntei se gostou da enxadinha, e ele pensou antes de
responder: - Gostei, vô, mas é enxadinha pra você que é gente grande, pra mim é
minha enxada.
RECEITA super simples: arroz integral com batata doce. Faça o arroz
integral do jeito que quiser, apenas coloque a batata junto, e ela ficará
molinha e saborosa. Com arroz comum também dá certo, só que a batata fica meio
durinha, “al dente”. Vó Tiana sempre
deixava algumas no forno do fogão a lenha, onde passavam até de um dia para
outro, ficando com parte da casca torrada; e o menino chegava, abria o forno,
cortava a batata ao meio , despejava melado e comia com colher. É minha mais
doce lembrança da infância. Quando Vó Tiana morreu, tirei do forno a última
batata e comi, mesmo sem melado, com lágrimas; e, aos doze anos, pela primeira
vez me senti homem.
HAICAIPIRA: a gente cresce/ de repente sempre/ que se entristece.
(Crônica do escritor londrinense Domingos Pellegrini, página 17, cultura,
espaço DOMINGOS
PELLEGRINI d.pellegrini@sercontem.com.br facebook.com/escritordomingospellegrini fim de semana, 5 e 6 de dezembro de 2015, publicação do JORNAL DE LONDRINA).
PELLEGRINI d.pellegrini@sercontem.com.br facebook.com/escritordomingospellegrini fim de semana, 5 e 6 de dezembro de 2015, publicação do JORNAL DE LONDRINA).
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