Rio – Em segundos, o biólogo Ricardo Gonzales, 35, abre o navegador de internet, acessa o e-mail, cria uma janela, escreve assunto e corpo do texto e envia a mensagem. Tudo isso, sem mover um dedo. Tetraplégico desde os 15 anos, ele usa um programa que comanda todo o computador pela voz. A maior novidade do Xulia (anacrônico do galego Xestión Unificada da Linguaxe com Intelixencia Articial) é a possibilidade de ditar textos em português, com uso do sistema do Google. Antes, em programas similares, era preciso soletrar tudo em alfabeto aeronáutico ( em que o “a” é “alfa” , o “b” é “bravo”, por exemplo.
O programa foi desenhado para dar autonomia às pessoas que usam o computador com a voz”, diz Gonzales, que perdeu os movimentos após sofrer uma lesão na medula em um acidente de carro, em 1997. Ele ajudou a desenvolver o programa com o primo Antonio Losada, programador da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha.
O programa, gratuito e com código aberto, tem mais de 140 comandos. O Xulia permite navegar pelo navegador Windows, personalizar ações específicas dentro de um programa e, com a ajuda de outro aplicativo integrado, mexer o cursor do mouse com o movimento da cabeça.
O usuário pode criar, modificar ou excluir comandos. No Word, por exemplo, é possível formatar o texto, percorrer o cursor por entre palavras, avançar páginas e, agora, também ditar em português. Os comandos de voz ainda conectam o computador ao celular, fazem chamadas e acessam aplicativos.
A ideia surgiu há dois anos. Em uma visita à Galícia, Gonzales conheceu Losada, que ficou curioso para saber como o primo lidava com o computador. O brasileiro utilizou o Motrix, lançado em 2002 pel UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Hoje obsoleto, o programa conta com cerca de 40 comandos e não há possibilidade de ditado em português.
Com o Xulia, Gonzales escreveu sozinho seu projeto de mestrado. “Antes eu apelava para outras pessoas para digitar o texto” diz ele, que em 2006, se formou em Biologia pela Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense), em um consórcio de universidades públicas a distância.
“Imagina escreve um texto, bater papo assim”, diz Carlos Eduardo Fraga, 44, após demonstrar o uso do alfabeto de aviador, que vai do alfa (a) ao Zulu (z). Com o Xulia, a conversa agora acompanha o ritmo da própria fala. “Meus amigos até comentaram que eu estou mais presente nas redes sociais”, diz. Ex-representante comercial, Fraga ficou tetraplégico ao ser atingido por um veículo no Révellion de 1991, enquanto dormia dentro de um carro estacionado.
O software está disponível no site da ONG Instituto Novo Ser (novoser.org.br). (FONTE: LUÍS COSTA – Folhapress, página 10, FOLHA SAÚDE, segunda-feira, 23 de outubro de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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