Venha, meu bem, para nosso café da manhã. Desfrute da eletricidade, ela preserva na geladeira a manteiga que, mesmo assim endurecida, derrete no pão esquentado pela tostadeira. O leite e o queijo também vieram das vacas – e das pessoas que levantam cedinho para a ordenha.
Também cedinho levantou o cafeicultor que capinou, cuidou dos cafeeiros e adubou, colheu com cuidado, secou com capricho, par alguém transportar, alguém torrar e moer, alguém embalar e vender, tantas mãos servindo teu café. Adoce com mel, obras de abelha que coletaram néctar por vales inteiros, trabalhadoras sem férias nem salário – mas não faltam ao trabalho e, quando o apicultor lhes sequestra seu tesouro, voltam a trabalhar como a dizer que, enquanto houver flores, se depender delas haverá mel.
E aí eis teu pão. Ele vem lá do primeiro sujeito que há milênios mascou grãozinhos de espiga de certo matinho e, gostou, colheu, bateu, juntou um punhado e moeu triturando em pedras, melhor que mascar estragando os dentes. Comeu e esqueceu um pouco ali; aí choveu, formou-se uma massa que, quando a fogueira voltou esquentando a pedra, virou algo que alguém pegou, mordiscou e... gostou mais ainda! Então os grãos foram plantados, a pedra virou moinho, e depois de milênios de toda uma História da Panificação, aí está teu pão.
Depois de tudo, tome o suco, que também tem Pré-História. As laranjas eram de laranjeiras plantadas nos cafezais, cheias de sementes e aroma e sabor, e o pessoal no cafezal, depois de comer a marmita do almoço, chupava as laranjas comendo o bagaço, rústica sobremesa. Quando se mudaram para a cidade, inventou-se o suco, já com laranjas sem sementes e pouco aroma e sabor, mas sempre descendentes daquelas laranjas de nossos antepassados. Então tome teu suco, ele também passou por muita gente até aqui.
A toalha igualmente passou por muitas mãos, como a mesa por muitos foi montada desde a floresta até à marcenaria. Teu café da manhã foi feito por uma multidão. Vamos portanto baixar a cabeça, um minutinho só, e dedicar a eles esses sabores, estas vitaminas e proteínas e esse dia bem nutrido pela frente. Sem desânimo nem descrença, meu bem, não podemos trair tanta confiança como não devemos alimentar dúvidas: viver vale a pena, viver bem é missão e servir é nosso melhor destino. Quer mais mel?
Elas estavam penduradas na janela duma casa, como se posando à espera da foto. Não são escuramente severas como seu avô, o tradicional guarda-chuva negro, não, elas têm cores como a dizer que são femininas e alegres sombrinhas. Estão lado a lado companheiras, dispostas como um time e com simetria, as coloridas nas alas, no meio a corintiana e a pintadinha, em artística pose.
Há cem anos, em Paris, Marcel Duchamp, apresentou como escultura um urinol, do jeitinho como foi comprado, apenas lhe dando o título de A Fonte inaugurando que se chamaria de “arte pronta” (ready made) e com isso fez histórias nas até então chamadas artes plásticas. Inaugurava também a ideia de qualquer coisa poder ser chamada de arte, decorrendo disso que artista passou a ser quem assim se acha e pratica com bem quiser. Desconfio portanto que as quatro mosqueteiras da foto faziam bonito em qualquer exposição de artes, hoje, digamos, práticas. (Crônicas do jornalista e escritor DOMINGOS PELLEGRINI, d.pellegrini@sercomtel.com.br, caderno FOLHA 2, página 3, coluna AOS DOMINGOS PELLEGRINI, 21 e 22 de outubro de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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