Minha filha Clarice adora carambolas. Sempre
que encontramos bandejinhas na feira ou no supermercado, ela pede para comprarmos a “fruta que vira estrela”. A menina de sete
anos gosta de comer as carambolas fatiadas e empilhadas em um pratinho, como se
fosse uma montanha de estrelinhas amarelas. No prato azul escuro onde ela
consome frutas à tarde, parece mesmo um céu estrelado em uma noite de inverno.
Acho bonitinho chamar carambolas de
estrelas, mas confesso que tal associação foi uma novidade apresentada pela
maternidade. Não que eu não conhecesse a fruta. Mas é que na minha infância lá
no interior de São Paulo,, carambolas não vinham em bandejas, mas apanhadas no
quintal. Na casa do meu tio Tonho, por exemplo, tinha um pé de carambola
enorme. Eu colhia as frutas e comia ali mesmo, a dentadas, de modo que nunca
cortei com faca para descobrir o formato
das fatias.
Clarice nunca cogitou comer carambolas apenas com os dentes. Eu mesma jamais ofereci
essa possibilidade a ela, até por que
as frutas são caras e vêm normalmente em duas ou três na embalagem, envolvidas
em papel filme. Bem diferente da fartura das carambolas da minha infância, que
vinham em enormes bacias de alumínio que a gente ia enchendo com as frutas
tiradas do pé.
Fruas na bacia, aliás, é uma modalidade de
consumir alimentos que minha filha desconhece. Goiabas, por exemplo, combinam
demais com bacias de alumínio, mas atualmente a gente compra no mercado, em
saquinhos plásticos pesados na balança.
Nunca na minha infância eu imaginei
comprar goiabas. Quando era época, Dona Mariia, nossa vizinha da frente,
chamava as crianças da rua e entregava pelo muro uma bacia ceia de goiabinhas
que a gente comia ali mesmo, sentado na calçada, entre uma brincadeira e outra.
Quando acabava, devolvíamos a bacia para
Dona Maria, que no outro dia repetia o
ritual. E quando não era época, não nos apertávamos. Afinal, sempre tinha no
bairro um pé de manga, amora, ou seringuela disponível para aplacar a fome da criançada.
Clarice não sabe a época das frutas. No
supermercado, é possível encontrar de tudo o ano inteiro, mesmo quando o preço
não é convidativo e o sabor é aguado. Enquanto escrevia este texto, pensei em convidar Clarice para colher frutas no pé. Mas a verdade é que não conheço nenhum pomar e tampouco tenho
preparo físico para subir em árvores. Além disso, cada criança tem sua época, e
a época da Clarice é a das carambolas transformadas em estrelas no sofá da sala, o que não deixa de ser uma linda cena
para uma coleção de memórias afetivas de uma infância feliz... ( Texto escrito
por CAROLINA AVANSINI, jornalista na FOLHA, publicado
na FOLHA RURAL, do jornal FOLHA DE LONDRINA, sábado, 4 de Outubro de 2014).
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