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sábado, 4 de outubro de 2014

UM PRATO CHEIO DE ESTRELAS


     Minha filha Clarice adora carambolas. Sempre que encontramos bandejinhas na feira ou no supermercado,  ela pede para comprarmos a  “fruta que vira estrela”. A menina de sete anos gosta de comer as carambolas fatiadas e empilhadas em um pratinho, como se fosse uma montanha de estrelinhas amarelas. No prato azul escuro onde ela consome frutas à tarde, parece mesmo um céu estrelado em uma noite de inverno.
     Acho bonitinho chamar carambolas de estrelas, mas confesso que tal associação foi uma novidade apresentada pela maternidade. Não que eu não conhecesse a fruta. Mas é que na minha infância lá no interior de São Paulo,, carambolas não vinham em bandejas, mas apanhadas no quintal. Na casa do meu tio Tonho, por exemplo, tinha um pé de carambola enorme. Eu colhia as frutas e comia ali mesmo, a dentadas, de modo que nunca cortei com faca para descobrir  o formato das fatias.
     Clarice nunca cogitou comer carambolas  apenas com os dentes. Eu mesma jamais ofereci essa possibilidade a ela, até por         que as frutas são caras e vêm normalmente em duas ou três na embalagem, envolvidas em papel filme. Bem diferente da fartura das carambolas da minha infância, que vinham em enormes bacias de alumínio que a gente ia enchendo com as frutas tiradas do pé.
     Fruas na bacia, aliás, é uma modalidade de consumir alimentos que minha filha desconhece. Goiabas, por exemplo, combinam demais com bacias de alumínio, mas atualmente a gente compra no mercado, em saquinhos plásticos pesados na balança.
     Nunca na minha infância eu imaginei comprar goiabas. Quando era época, Dona Mariia, nossa vizinha da frente, chamava as crianças da rua e entregava pelo muro uma bacia ceia de goiabinhas que a gente comia ali mesmo, sentado na calçada, entre uma brincadeira e outra. Quando acabava, devolvíamos  a bacia para Dona Maria,  que no outro dia repetia o ritual. E quando não era época, não nos apertávamos. Afinal, sempre tinha no bairro um pé de manga, amora, ou seringuela  disponível para aplacar a fome da criançada.
     Clarice não sabe a época das frutas. No supermercado, é possível encontrar de tudo o ano inteiro, mesmo quando o preço não é convidativo e o sabor é aguado. Enquanto escrevia este texto,  pensei  em convidar Clarice para colher frutas  no pé. Mas a verdade é que  não conheço nenhum pomar e tampouco tenho preparo físico para subir em árvores. Além disso, cada criança tem sua época, e a época da Clarice é a das carambolas transformadas em estrelas no sofá da  sala, o que não deixa de ser uma linda cena para uma coleção de memórias afetivas de uma infância feliz... ( Texto escrito por CAROLINA AVANSINI,  jornalista  na  FOLHA,  publicado na FOLHA RURAL, do jornal FOLHA DE LONDRINA, sábado, 4 de Outubro de 2014).

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