Tião Rocha, que
deixou de ser professor para ser educador, já mostrou que o processo de
ensino-aprendizagem pode ocorrer até debaixo de um pé de manga.
Para responder à pergunta “é possível ter
boa educação sem escola?, feita por ele mesmo, certa vez, durante uma
entrevista em um programa de rádio, o antropólogo e educador popular Tião Rocha
foi para a prática. Ele e 26 ouvintes
que aceitaram o seu desafio trataram de juntar garotos que, sentados em roda,
ao ar livre, elencaram os temas que queriam aprender . Isto ocorreu na
periferia de Curvelo, no sertão de inas Gerais.
É assim que nasce a pedagogia de roda. E
com ela Rocha comprovou que o processo de aprendizagem pode acontecer até
embaixo de um pé de manga, desde que tenha bons educadores e que se entenda que
educação não é uma via de mão única.
Esta pedagogia está dentro do Projeto Sementinha que virou política pública em
25 municípios e cinco estados e está sendo desenvolvido em três países.
Há 32 anos, Rocha idealizou o Centro
Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPDC), que se dedica a encontrar novos
caminhos para a aprendizagem. Na semana passada, ele esteve em Londrina
para participar de um congresso realizado pelo Colégio Marista e conversou com
o JL.
Entrevista
Tião Rocha, antropólogo e educador popular
‘O EDUCADOR É AQUELE
QUE APRENDE’
JL: Como você começou a se dedicar à
educação popular?
Tião Rocha:
Fui professor durante boa parte da minha vida. Em determinado momento, quando
era professor na Universidade Federal de Ouro Preto, tive uma coisa que os
americanos chamam de insight e lá em Mina Gerais chama de clarão. Não queria
mais ser professor, queria ser educador.
Qual a diferença?
O professor é
aquele que ensina. O educador é aquele que aprende. E para ensinar você não
precisa saber, basta retransmitir idéias
alheias. Enquanto estava no lugar da “ensinagem” não precisava acreditar no que
estava falando, simplesmente cumpria um programa reproduzindo uma idéia que nem sempre era
minha. Ao mudar de lugar, você começa a ter de ouvir o outro para ver onde o
outro está e como ele percebe o mundo.
Aí só faz sentido o que tenho para levar para o outro se aquilo me faz sentido. Então. ( não se trata) do que
li, mas daquilo que acredito, é vivencial.
O que é educação para você?
Educação é uma
coisa que só acontece no plural. Não existe educação no singular. O eu sozinho
não educa. Para educar são necessárias no mínimo duas pessoas: o eu e o outr
Você não fala aluno, mas outro. Como deve
ser o olhar do educador para o outro?
Entre o eu e o
outro o que existe é uma relação de troca entre pessoas diferentes. Aí é
preciso desconstruir outra lógica e passar a olhar o outro como diferente e não
como desigual, sem criar analogia de classificação do outro a partir de
estereótipo ( ele é preto, ele não estudou, ele é feio, ele é gordo). Esse
exercício é a grande aprendizagem como
educador.
Como deve ser um bom educador?
O bom educador
é aquele que consegue construir uma pedagogia própria. Ele não fala entre
aspas, ele fala com autoria sobre qualquer tema. Ele fala sobre o que refletiu,
metabolizou, incorporou e transformou como valor. E ele consegue aprender o
outro. Mas essas coisas são microscópicas, então você tem de perceber o outro na sutileza. A aprendizagem
se dá a partir da parte cheia do copo e não preenchendo a parte vazia.
Como você avalia a escola hoje?
Se parece
muito com uma fábrica, com sua linha de produção: com um hospício, com seu
conteúdo anacrônico; com uma cadeia, com suas grades; com um quartel, porque
tem hierarquia. Ela só não se parece com um lugar de aprendizagem. Essa escola está sendo cada vez mais questionada,
porque não consegue mais dar sentido às pessoas. Mas vejo que já estão
discutindo novos caminhos. Têm escolas no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Piauí que se transformaram quando
educadores e comunidade se assumiram. Mas ainda é um caminho longo. (
Reportagem de ERIKA PELEGRINO, erikap@jornaldelondrina.com.br
publicada pelo JORNAL DE LONDRINA, domingo 28 de setembro de 2014).
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