Texto escrito por ANA PAULA WOLF TASCA DEL’ARCO, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, 11/2/2019, coluna ESPAÇO ABERTO, página 2
A saúde pública clama por ações que reduzam o avanço da epidemia da obesidade hoje vivenciada no Brasil. Ações que devem ser implementadas em todas as camadas da sociedade, desde a criação de políticas públicas focadas na reeducação alimentar das crianças e da população adulta, passando pelos acordos intersetoriais para a redução do teor de açúcar dos alimentos, chegando até à mesa dos consumidores, que devem se reeducar e não utilizar o “açúcar de mesa” de maneira indiscriminada.
O consumo de açúcar está associado com a incidência de obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis. No entanto, mais correto seria dizer que o consumo excessivo de açúcar está associado com diversos malefícios à saúde. Atualmente, a saúde da população está sendo impactada negativamente pelo consumo excessivo observado desde a infância.
O açúcar por si só não é vilão. O “açúcar de mesa” ou a sacarose é um carboidrato que fornece energia para o organismo, com apenas 4 calorias por grama. Assim como a frutose, que é o açúcar das frutas, e a lactose, que é o açúcar do leite, a sacarose é o açúcar que naturalmente ocorre na cana de açúcar e após sua extração e concentração é apresentada como um pó granulado branco. Dentro desse contexto, temos a frutose e a lactose ocorrendo naturalmente nas frutas e no leite, respectivamente, fornecendo o paladar doce a esses alimentos conforme a natureza determinou. Com a sacarose temos um cenário diferente: como foi extraída e concentrada a partir da cana de açúcar, a sacarose passa a ser o “açúcar de adição” ou o “açúcar de mesa”, utilizado de acordo com o paladar de quem está consumindo. Ou seja, o consumidor tem o poder de adoçar o café, o suco, as preparações culinárias de acordo com o seu paladar. E este pode se tornar um problema.
Por outro lado, o açúcar, o doce e o paladar doce fazem parte da alimentação, da cultura e da memória afetiva das pessoas. Essas memórias afetivas têm início na amamentação, quando o leite materno é o primeiro alimento consumido e tem paladar doce, assim como a maioria dos alimentos encontrados na natureza, como frutas, tubérculos e hortaliças. Desde cedo, as papilas gustativas do ser humano estão aptas ao paladar doce, sendo os demais aprimorados com o tempo. As memórias afetivas do paladar doce não se encerram com o fim da amamentação, estão presentes durante toda a vida.
Sendo assim, dentro de um hábito alimentar balanceado e equilibrado o açúcar, uma vez vilão, pode se tornar herói, quando uma memória afetiva é acionada por conta do paladar doce, trazendo conforto emocional, mediado por hormônios.
A redução nos testes de açúcar dos alimentos industrializados, por exemplo, não devem afetar drasticamente o paladar dos produtos, criando barreira ou recusa no consumo. A reeducação do paladar passar por um processo de adaptação, e as reduções nos teores de açúcar devem ser paulatinas, já que é pouco efetivo reduzir o teor de açúcar de um iogurte se em casa o consumidor pode adicionar o quanto quiser.
Portanto, é necessário reeducar o paladar dos brasileiros para que a redução no consumo de açúcar seja de fato eficaz dentro do contexto de ações para o enfrentamento da obesidade. (FONTE: Texto escrito por ANA PAULA WOLF TASCA DEL’ARCO, nutricionista, pesquisadora e Mestre em Ciência dos Alimentos pela Unesp, página 2, coluna ESPAÇO ABERTO, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019). * Os artigos devem conter os dados do autor e ter no máximo 3.800 caracteres e no mínimo 1.500 caracteres. Os artigos publicados não refletem necessariamente a opinião do jornal. E-mail; opinião@folhadelondrina.com.br
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