Eu tinha onze anos, meus pais viviam separados e eu vinha passar as férias com o pai na casa dos nonos na Rua Pará. A calçada era nova, lisinha, perfeita para os carrinhos de rolimã de muitos guris que passei a invejar.
Estava na varanda com o nonno e o tio Orlando Martinelli, quando passou um carrinho, corri para apreciar do portão. Tio Orlando tinha uma oficina em casa e falou que ia fazer um carrinho para mim, nem acreditei, mas ele voltou com um carrinho melhor do que qualquer outro do mundo, pois era meu. Com aquele carrinho passei a descer pela calçada primeiro com o coração aos pulos, de medo, depois bombando alegria, outros meninos olhando com inveja. O meu carrinho era o melhor da rua!
Entretanto descobri que o carrinho voava até a esquina lá embaixo mas, depois, era preciso arrastar de volta à esquina lá em cima. Primeiro vento nos cabelos, depois suor na testa. Dua sua varanda nonno percebeu minhas duas caras, a de alegria na descida e a de desgosto na subida, e sentenciou:
- Tudo que é bom dá trabalho.
Foi a primeira lição do meu carrinho de rolimã. Agora, vendo meu neto Caetano passar aqui em casa os finais de semana, os vizinhos Eurides e Pedro Gordam oferecem carrinho feito para netos agora já crescidos, e me revejo no neto pilotando, com alegria nos olhos. Moramos em condomínio agora, com nossa chácara reduzida agora a chacrinha mas com ruas sem tráfego nem perigos, então posso ficar em casa tranquilo enquanto ele voa pelas pistas da imaginação. Quando volta para casa, suando felicidade, digo que Ayrton Senna começou com kart, quem sabe ele seja o primeiro piloto campeão do mundo a começar com carrinho de rolimã, mas ele retifica, não quer ser piloto, só quer que eu leve o carrinho de carro, até o ponto mais alto da rua.
Repito então a sentença do nonno, tudo que é bom dá trabalho. Ele porém não se prostra, inventa de convida menino vizinho para levarem juntos o carrinho até lá o alto, depois descem os dois juntos, ouço seus gritos de alegria. É uma nova lição do carrinho de rolimã:
-Trabalho bem dividido soma alegria.
Mas lembro que menino eu descia cada vez mais rápido a pista da calçada, até a esquina onde era preciso brecar com os calcanhares freando a arrastar no cimento , os congas ficavam ralados. Passei então a frear pouco, entrando cada vez mais rápido na curva lá na esquina – até que tombei rolando para a rua.
Não passava carro algum, naquele tempo em que as ruas ainda eram de paralelepípedos e o trânsito não tinha a pressa de hoje, mas numa próxima vez eu poderia ser atropelado, então alguém alertou o nonno, que novamente sentenciou:
- Mais devagar dá mais tempo pra tudo.
Continuei porém fazendo as rolimãs fazerem faíscas na curva, até defrontar com uma senhora levando sacola de feira, tendo de desviar tão rápido que uma das rolimãs se soltou. Tio Orlando prometeu consertar mas, quando voltei para novas férias um ano depois, já tinha crescido tanto que não cabia mais no meu carrinho. Tentei, mas já não tinha graça, embora outros meninos menores olhassem com inveja
Eu já tinha então, sempre me esperando, uma paixão que levaria para toda a vida, a leitura. Daí fui deixando o carrinho num canto, até o nonno pergunta porque: enjoei, respondi. Então – ele perguntou – não será hora de dar pra outros o que você ganhou? Fui para a rua e dei o carrinho, voltei me sentindo maior. Cada menino que passava no carrinho me acenava, eu acenava de volta como gente-grande.
Agora pergunto a Caetano se ele já sabe a quem dará seu carrinho, ele pergunta porque dar.
- Porque você vai crescer por fora e por dentro. (FONTE: Crônica escrita pelo jornalista e escritor DOMINGOS PELLEGRINI, d.pellegrini@sercomtel.com.br página 3, caderno FOLHA 2, coluna AOS DOMINGOS PELLEGRINI, 23 e 24 de fevereiro de 2019, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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