Texto escrito por Domingos Pelllegrini, Folha 2, página 3, publicação do Jornal FOLHA DE LONDRINA, 5 e 6 de Janeiro de 2019
Por que existimos? A maior das perguntas só tem resposta para quem dá sentido à vida. Quem me revelou isso foi a professora Zita Kiel no curso de Letras da UEL há meio século.
Eu fazia o Tiro de Guerra, entretanto sonhando ser guerrilheiro para derrubar a ditadura militar “do proletariado” comunista, sem atentar que apenas trocaria uma ditadura por outra pior. E eis que Zita manda ler “Decadência e Regeneração da Cultura” de Albert Schweitzer.
Comecei a ler rapidamente e logo passei a ler atentamente o homem que, formado em Filosofia e Teologia, renomado organista europeu intérprete de Bach, um dia, já passando dos trinta, cursa Medicina para depois ser médico humanitário na África! Forma-se, casa-se com Helene e vai para o Gabão.
Lá, num calorão infernal, descobre que faltam não só de médico como também instrumentos e medicamentos. Improvisa seu primeiro ambulatório num antigo galinheiro e começa a atender 40 pessoas por dia, lutando para entender sua língua. Mas logo aprende o bastante para pregar o que pratica e que resumiria numa frase:
Só é verdadeiramente feliz quem procura ser útil aos outros.
Mas explode a Primeira Guerra e os Schweitezer são presos pelos franceses, então inimigo dos alemães pois Gabão é colônia francesa – e passam quatro anos confinados num campo de concentração na França, tempo que ele aproveita para escrever sobre a regeneração da cultura, cunhando frases que continuam atuais:
O mundo torna-se perigoso, porque os homens aprenderam a dominar a natureza antes de dominarem a si mesmos.
A nossa civilização está condenada porque se desenvolveu com maior vigor materialmente do que espiritualmente.
Mas acaba a guerra e o médico, já uma celebridade, poderá descansar, não? Não: passa a fazer conferências para coletar dinheiro, durante sete anos, e volta à África, agora com médicos e enfermeiros, erguendo um hospital e, nalgumas horas “vagas” todo dia, escrevendo livros que venderiam ao mundo todo, sempre custeando assim novos pavilhões para o hospital. Quando retorna à Europa, faz festejadíssimas conferências para angariar mais dinheiro e... sempre volta a “seu hospital, “seus” pacientes, sua, como dizia, missão de vida.
Em 1952, depois de receber o Prêmio Nobel da Paz, Schweitezer poderá bem descansar sobre os louro, não? Novamente não, continua sua missão até morrer em 1965 no hospital que hoje tem seu nome.
Zita falava dele com olhos úmidos e me toquei que dar um sentido à vida é a maior das construções. Agraciado com o dom literário, naturalmente passei a dedicar à literatura minha vida – e você pode perguntar: então só terão sentido na vida os artistas e humanitários?
Não: pois não tem um grande sentido de vida quem se dedica às pequenices? Fazer o café da manhã para a família, lavar a louça, varrer a casa. Dirigir o ônibus do transporte coletivo. Levar as frutas para a feira, levar da feira para casa. Cumprir enfim as pequenas tarefas e encarregar-se dos trabalhos que constroem dia a dia as famílias e a civilização.
Já pensou se ninguém regulasse os semáforos? E se o arroz e o feijão não fossem plantados, beneficiados e transportados? E se as fraldas dos nenês não fossem trocadas? E se os lixeiros não saíssem todo dia a recolher lixo entre risadas? Sim, o sentido da vida pode estar na rotina, como da nossa Paulina ou da vó Sebastiana, que passaram a vida saindo raramente de casa, ali cuidando de tudo e de todos, deixando exemplo de vida em convívio e paz e sempre orando agradecidas por tudo.
Então, obrigado, Zita, obrigado Albert, obrigado, nonna e vó! Obrigado, Vida! (FONTE: ( Texto escrito pelo jornalista e escritor DOMINGOS PELLEGRINI, d.pellegrini@sercomtel.com.br postado pelo jornal FOLHA DE LONDRINA, caderno FOLHA 2, página 3, coluna AOS DOMINGOS PELLEGRINi, 5 e 6 de Janeiro de 2019.
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