A natureza esbanja harmonia nas cores e proporções, uma concepção nem sempre observada na construção humana
Levei sorte, vou morar num local que tem vista para a peroba central do Bosque de Londrina. Ainda que o apartamento não seja grande, a vista é um luxo. Retorno a sensação de quando morava numa casa que tinha vista para o Lago Igapó 4, aquele no caminho para a UEL. Imagino que por obra e graça seja colocada em lugares em que a paisagem compensa todo empenho de procurar um novo local para morar. Pelo visto, os deuses me agraciaram mais uma vez. Algumas paisagens são obras de arte. O que poderia ser uma tela abstrata ou escultura em madeira são fotografias detalhadas de elementos da natureza. Uma semente com desenho em ondas e um tronco coberto de fungos demonstram que, a todo momento, podemos nos deparar com lições de estética. Plantas e animais reproduzem padrões que serviram para conceituações na arte, a ponto de se declarar que a “beleza pode ser definida pela simetria das formas.” Um conceito que pode ter sido ultrapassado pela ideia da livre expressão, mas que ainda é útil.
É que a natureza esbanja harmonia em cores e proporções. Uma concepção nem sempre observada na construção humana. Pior ainda, pouco valorizada quando construímos cidades como feias paisagens. Olhando qualquer metrópole, não me canso de observar que as construções, normalmente retilíneas, cria um cenário padrão que se distancia da beleza, tendendo à monotonia e à falta de criatividade. Sempre me pergunto por que os arquitetos não planejam mais edifícios redondos, curvilíneos ou em forma de taças? Por que temos que conviver com prédios repetitivos que lembram caixotes cinzentos? A ideia do Minha Casa Minha vida é lembrar a vida sofrida? E a concepção de imóveis de padrão relativo onde não cabem duas pessoas num quarto é para afirmar que a vida moderna é apertada mesmo?
Há mais de 10 anos, morei num casarão de madeira construído nos anos 40, ao qual ninguém dava valor. Encantei-me com o tamanho das salas e dos quartos, com a sua luminosidade e o quintal cheio de plantas. Não era um imóvel caro e bastou uma pintura e um bom aproveitamento do espaço para que a casa se transformasse num sonho. Para completar, a casa tinha na calçada dois pés de acácia amarela que na primavera explodiam em flores. Um dia tive que me mudar. Não demorou muito e a casa foi demolida. Pior, cortaram as acácias que transformavam a rua numa paisagem. Sempre me pergunto como se sentem as pessoas que são obrigadas a cortar árvores e, obedecendo a ordens, põem abaixo troncos antigos, galhos fortes, folhas e flores generosas. É de doer o coração, o meu dói. Hoje, no lugar da minha antiga casa existe um colégio cuja arquitetura é um exemplo de mau gosto. Tijolo sobre tijolo formando um grande caixote. O edifício foi construído rente à calçada, sem nenhum recuo, e ao seu redor não se vê sequer um arbusto. Quando vejo isso, lembro-me das lições de estética que a natureza oferece de graça e que poucos aprendem. Na modernidade, com poucas exceções, vivemos há anos-luz da beleza em nossos cenários de duro concreto. O mundo está cada vez mais feio.
Não deixa de ser uma bênção minha vista da janela ser contemplada com a altura vertiginosa de uma peroba do Bosque da qual vejo a copa e o quanto de beleza pode caber num mundo esvaziado de valores. Ponham abaixo a feiura e, por favor, mantenham as árvores em pé. (Crônica da jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI celiamusilli@gmail.com caderno FOLHA 2, página 4, domingo, 31 de julho de 2106, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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