Texto publicado pelo jornal FOLHA DE LONDRINA, página 8, coluna MUNDO VIVO, escrito pelo psicanalista SYLVIO DO AMARAL SCHREINER
A flor de lótus é associada ao budismo por sua pureza. Ela nasce em pântanos e lugares insalubres e quando se abre mostra toda sua força e beleza. Suas pétalas intrigam cientistas, que tentam imitar, em tecidos, suas propriedades auto limpantes que repelem qualquer sujeira. Com todas essas características não é de surpreender que ela fosse escolhida como símbolo da pureza. Mesmo vivendo em um ambiente fétidoe sujo ela sempre se mantém intocada.
Pensando nessa flor penso que há uma lição a ser aprendida. E se tratássemos nossas mentes como essa flor de lótus? Não é à toa que o budismo, que é uma bela filosofia de vida, a elegeu para simbolizar a transcendência. No budismo acredita-se que temos uma grande responsabilidade na vida em nos tornarmos cada vez melhores num mundo que, muitas vezes, oferece injustiças, maldades e dores. Precisamos sempre nos manter puros e não nos entregar ao que há de pior. Tal como a flor que se mantém pura em seu ambiente.
E o que é tudo isso se não cuidar da própria mente? Transcender é se superar: é se refinar e parar de agir somente através dos impulsos mais primitivos e se tornar verdadeiramente humano. Infelizmente esse processo nem sempre se dá tão facilmente. Ao contrário d flor a gente, com muita frequência, se apaga a pensamentos e atitudes que nos “sujam” e destroem. Ficamos presos a uma vida que perde a graça e a cor e com isso ficamos amargos e desesperançosos. Aí nos assemelhamos mais a uma vegetação morta, marrom e sem vibração, onde as possibilidades de se deixar surpreender se tornam cada vez menos possíveis.
O budismo não prega a conversão, mas a iluminação, e nisso a filosofia e a psicanálise têm muito em comum. Ambas buscam que cada um encontre sua luz e siga seu caminho. Podemos e devemos criar simbolicamente uma “flor de lótus” em nossas mentes para que possamos nos livrar das coisas que nos pesam e não nos acrescenta nada construtivo. Fazer uma análise é como deixar uma flor de lótus nascer. É se abrir para revelar o que cada um carrega de melhor em si. É se erguer de um pântano e produzir algo mais refinado e belo.
Apesar de tudo isso soar bastante poético, na prática, para se conseguir desenvolver esse estado, é necessário muito trabalho. Aliás, as recompensas que mais valem a pena são sempre furto de trabalho árduo. Na vida nada vem de graça. Não há como desejar estar num estado refinado sem lutar por isso.
Nesse trabalho, uma pessoa em análise se depara com muitas coisas dolorosas e que gostaria de não ver. É sempre mais fácil fugir daquilo que nos causa desgosto. Mas fechar os olhos para as próprias verdades é encobrir-se, quando, na realidade, o que mais precisamos é descobrir. Todos temos muito a ganhar se pensarmos no significado das palavras .. Se pensarmos na palavra descobrir veremos que significa tirar a coberta e revelar. Logo, encobrir-se é a mesma coisa que se deixar afogar pelos lodaçais da vida.. Se trabalharmos para criar em nossas mentes um espaço de pureza vamos, cada vez mais, viver verdadeiramente, em vez de apenas sobreviver.
Buda costumava dizer um pensamento: “Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com nossos pensamentos. Com o nosso pensamento fazemos o nosso mundo”. Com tudo isso em mente, vale a pena pensar o que fazemos conosco. (FONTE) – Texto escrito por SYLVIO DO AMARAL SCHREINER, psicanalista em Londrina, mundovivo@folhadelondrina.com.br página 8, Folha Saúde, coluna Mundo Vivo, segunda-feira. 07 de outubro d 2019, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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