Passa na tevê um recall mas ele nem tium, até ver que é a mesma montadora do seus carro. Passa de novo, ele vê que é seu modelo de carro. Na terceira vez, vê que a indústria está chamando carros do ano do seu!
Aí o recall não passa mais, mas ele vê no site da indústria que é defeito no freio. “podendo eventualmente causar retardamento na freagem, gerando possibilidades de danos inclusive contra terceiros”, ou, na linguagem da vida real, a velha trombada. Então comenta com a mulher:
- Viu?, nosso carro está com problema no freio, vou levar na concessionária.
- Ah, já mandei consertar quando você viajou.
- Você mandou consertar?!
- Queria o que, que eu mesma consertasse?
- Não!, ele já esbraveja – Eu só não queria pagar por defeito que podia consertar de graça!
-Ah, diz a sogra – tudo na vida tem defeito, tirando Jesus...
Ele morde os lábios, até perguntar quanto a mulher pagou, ela diz que não sabe.
- Não sabe?! – ele espuma – Mandou consertar e...
- É, falei que depois você passava lá na oficina e acertava.
- Mas, mulher, assim o mecânico vai me enfiar a faca!
- Não vai não – senhor – diz a sogra. Ele foi mecânico do meu marido e sempre foi honesto!
Ele morde os lábios ligando para a oficina, linha ocupada, então fica resmungando: que logo no mês já com tanta despesa extra, ter de tirar da poupança pra...
-A poupança – diz a sogra – tá pagando menos que a inflação, então se seu fosse você...
-Se a senhora fosse eu – ele explode – tinha bigode e trabalhava todo dia pra botar comida em casa!
A sogra se fecha no quarto, fechando delicadamente a porta, o que é pior do que se batesse a porta, e a mulher diz que ele é mesmo um grosso, a mãe dela tem aposentadoria, ajuda a pagar as contas e a cuidar dos filhos pequenos e...
Ele liga para a oficina, o mecânico diz um precinho tão micho que ele murcha, pede desculpas à mulher, ela diz que ele tem de se desculpar é com a mãe dela. Ele bate na porta, uma voz magoada diz entre, ele entra.
- Oi, minha querida sogra.
Ela pergunta se ele está doente, chamando assim de querida, e quer o que?
- Fazer recall, consertar pedindo desculpas – e se abraçam, enquanto a mulher fala ao papagaio:
- E fica quietinho você.
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NOTÍCIAS DA CHÁCARA -
Passeio pela chácara e volto com a cesta e a cabeça cheias. A cesta com abacates, laranjas, limões e cambucás; e a cabeça cheia de ideias. Antes de ser homo sapiens, fomos coletadores, nem caçadores nem pescadores, que ainda não tínhamos cabeça nem utensílios para tanto, vivendo assim de catar frutas, ovos e raízes. Decerto nem tínhamos cesta ainda, se trançar vime seria também tecnologia demais para tão broncos ancestrais.
Então o saco terá sido uma de nossas primeiras invenções, já que o fogo não foi inventado mas também coletado da natureza e apenas perpetuado pela fogueira, esta sim grande invenção. Com os primeiros sacos , sabe-se lá se de couro ou se de cipós trançados, não tivemos mais de ir e voltar muitas vezes para levar comida à família na caverna. Aí começamos a acumular alimentos, princípio da economia.
Hoje, o Brasil gasta em torno de 20 bilhões de sacolas plásticas de supermercado por ano, que acabam todas em lixões, degradando lençóis freáticos de vales inteiros. Tornou-se maldição ambiental a grande invenção ancestral. Então levo minhas sacolas de pano para as compras, os empacotadores me olham como o louco da freguesia. Lembro de Drummond: “Mundo, mundo, vasto mundo/se eu me chamasse Raimundo/ seria uma rima, não seria uma solução “... (Crônicas de DOMINGOS PELLEGRINI, d.pellegrini.@sercomtel.com.br, caderno FOLHA 2, colunas AOS DOMINGOS PELLEGRINI – NOTÍCIAS DA CHÁCARA, 10 e 11 de junho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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