Não gosto muito do fim do ano. Parece um
trem parado na última estação, um avião que não se sabe para onde decola. Vem
uma melancolia, um balanço de perdas e ganhos, uma esperança teimosa de que
no próximo ano as frustrações se dissolvam nas realizações adiadas.
Na verdade, o tempo segue a rota circular,
não há chegada nem partida, começo ou fim . É apenas a impressão criada pelo
calendário , doze meses, doze signos do zodíaco que me fazem perceber que,
afinal, o ano mesmo começa em fevereiro, sem data fixa, como no calendário
chinês que leva em conta o sol e a lua, num ciclo lunisolar, palavra feia como
minha/nossa falta de esperança na antevisão dos
recomeços, na ante sala dos ciclos.
O ano novo chinês é marcado pela noite em
que a lua nova acontece na data mais
próxima do décimo quinto grau do Aquário. Difícil pensar em chinês. Talvez por
isso tenham inventado os ideogramas, que
põem o tempo e os ciclos em grafismos
que fazem meu olhar se perder numa paisagem de idéias. Eles dizem lua, e a lua se materializa.
Montanha, e a montanha se ergue.Sem
grandes descrições, apenas com dois ou três traços. Penso na beleza de conter o
mar em duas pinceladas, num carimbo de nanquim de dois centímetros. Nunca o mar
encolheu tanto nem foi tão grande quanto no China.
A poesia do oriente se planta e se colhe
em traços. Não é preciso reunir tantas palavras como faço para descrever o que
significa o fim do ano. Essa melancolia que existe mas é difícil de explicar. Seria melhor
representar sem escrever muito? Usar as sínteses tão profundas quanto as
crônicas e os contos prolongados? A natureza nos ensino exatamente isso ao
inventar a lágrima. Ideograma/lágrima= tristeza profunda, Com variações para
alegria desvairada.
Mas vivo do outro lado do mundo, leio
Clarice e reflito sobre a tristeza de dezembro. Em Clarice, isso se materializa
num aconteciment5o intrigante: Nasceu em 10 de dezembro, morreu em 9 de dezembro
de 1957, na véspera de completar 57 anos. Tenho para mim que morreu de tristeza
a Clarice, mas antes deixou no mundo uma celebração em palavras. Cada um se
expressa conforme seu hemisfério. Este é o maior inventário que se pode ter na
vida. Inventário de invenção, percebam.
Não aquele dos contabilistas. Porque somos escritores, não advogados. Em
dezembro perfilamos palav rãs, não contamos dinheiro, o que torna vida mais
delicada.
Termino com o ideograma / riso= alegria de
viver. E se foi mais um dezembro. (
Texto escrito por CÉLIA MUSILLI, céliamusilli@terra.com.br WWW.sensivelldesafio.zip.net , Folha 2, pag 4, publicação do jornal FOLHA
DE LONDRINA, domingo, 21 de dezembro de 2014).
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