Pelo sim, pelo não vou por aí levando meu escapulário ou talvez seja ele que me leva
Sempre que saio de casa ponho no pescoço meu escapulário. Trata-se de um ato místico, de fé muito particular. Ele tem duas faces, duas medalhas: uma de Nossa Senhora, outra de Jesus Cristo. Troco as posições entre o colo e as costas conforme o dia, de qualquer forma me sinto protegida e isso também é uma questão particular, sobre quem você escolhe para levar à rotina do dia, à superação das dificuldades e também às alegrias.
Todos os dias têm coisas alegres e tristes, vez ou outra a notícia da doença de alguém nos pega de surpresa, assim como o nascimento de um bebê na família de sua melhor amiga que já é vó. O milagre da vida é de uma renovação constante, pelo sim, pelo não vou por aí levando meu escapulário. Mas desconfio que, na verdade, ele é que me leva.
Não me lembro de onde trouxe este que uso agora, tenho mais de um, mania de compra-los em igrejas quando vou a cidades desconhecidas. Trouxe um de Ouro Preto, um de Recife, outro da Catedral da Sé, outro ainda é da Catedral de Londrina. Durante muitos anos fiquei sem frequentar igrejas, missas nem pensar. Não me faziam falta. Até que um dia, a partir de um momento angustiante e com problemas a resolver, ouvi de minha amiga Yara Ramos, astróloga e esotérica, que devemos às vezes retornar à nossa religião de raiz. No meu caso era o catolicismo, por conta da fé de minha mãe que frequentava missas e novenas, cantando com voz aguda e afinada aquela canção que fala “no céu, no céu, com minha Mãe estarei”. Minha mãe não exagerava, tinha fé na medida de sua necessidade de se aproximar de Deus, mas guardado o espaço entre as coisas do céu e da Terra, sem forçar a porta da eternidade antes da hora. Vem dela meu costume de rezar, já usar escapulários é coisa minha, muito própria.
Li que os escapulários apareceram no século 13, na Ordem das Carmelitas que sequer era reconhecida pela Igreja e que chegou a ser perseguida pelos mouros que a expulsaram do Monte Carmelo, origem de seu nome. Um prior chamado Simão Stock foi quem instituiu o uso dos escapulários, a partir de uma revelação e, segundo ele, depois de um milagre de Nossa Senhora que permitiu que a Ordem das carmelitas fosse, enfim, reconhecida pelo Papa.
Minha história com o escapulário é mais simples: nunca fui perseguida pelos mouros, nem faço parte de uma ordem religiosa, mas o trago comigo como sinal de proteção, assim como foi para quem começou a usá-lo no século 13. Cada um tem com o escapulário uma história pessoal, acredito. Sei que muitos são joias finíssimas, mas os meus são comuns, desses feitos com barbante. Sempre os acomodo embaixo das golas , echarpes e sei que eles não “brigam” com colares, às vezes até os complementam. São discretos como a minha fé que ressurgiu de forma muito suave, sem excessos, como quem canta com voz afinada uma canção de amor que a gente não precisa esgoelar para ser ouvido. Eu gosto de silêncio para ter fé, não consigo participar de religiões, cultos e missas demasiadamente expressivas, com gritarias, até estranho um pouco as que têm muita música e coreografias dos fiéis. Minha fé só se revela no silêncio de igrejas quase vazias, em momentos de muita concentração como na hora da consagração da hóstia. Minha fé é como meu escapulário, simples, discreto, mas assegurada por um barbante forte, um frio sagrado que me preserva de algumas quedas, embora meus tropeços sejam grandes.
Bom domingo a todos, que cada um viva segundo suas crenças e escolhas. Fé também é liberdade. (Crônica da jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI celiamusilli@gmail.com página 4, espaço coluna CÉLIA MUSILLI, domingo, 03 de julho de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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