Desde pequena eu gostava de histórias. Fazia
minha irmã ler um único livro várias vezes para mim e olhava as figuras
deslumbradas, mas ainda não havia dado conta das letras.
Brincando na rua esburacada, pés no chão e
feliz como qualquer criança de uma cidade pequena, tinha entre
cinco e seis anos quando uma vizinha, Dona Ignez Bastasini, diretora do Grupo
Escolar, me perguntou se eu queria aprender a ler. Eu concordei na hora. Ela me trouxe, ali mesmo, uma
cartilha, chamada Cartilha da Infância, cuja primeiras letras eram as vogais e a seguir a consoante
V.
Fiquei
motivadíssima: a, e, i, o ,u ,va, ve, vi,
vo, vu, ovo, uva, vovô viu a viúva,
viva, Ivo... la, le, ma, me, ca, co, cu. Macaco, mala, vaca... Meu Deus! Que descoberta
! O mundo já não era o mesmo, havia
mudado. A cidade havia se transformado, estava cheia de letras, de palavras...
que eu não enxergava: bazar paris, bar do bigode, armazém Fiorezi, secos e molhados...
Na minha casa as latas e caixas falavam:
Toddy, Aymoré, Aviação, Óleo Zillo. A
máquina de costura tinha nome – Vigorelli, as telhas, o saco de arroz,
de farinha, de sal...Com o é que eu não tinha visto tudo isso antes???
Foi assim que mergulhei no mundo das
letras, das palavras, das histórias. Que grande aventura em minha
vida! Que alegria aprender a ler e a
escrever, que veio em seguida! Não parava mais, me empanturrava de
letras, qualquer coisa, desde o jornal velho que servia para embrulhar as
compras do armazém, o papel de balas, cartazes, bulas, maços de cigarro, tudo
tinha vida e som,
O local adequado para devorar meus livros
era o paiol cheio de milho, o café e o algodão, a copa das árvores onde
fazíamos bancos, as sombras das mangueiras, a grama onde deitávamos para ver os
desenhos das nuvens no céu... e, víamos letras, com certeza..
Aconteceu que no meio do ano minha mãe começou a lecionar numa escola rural e eu ia com ela, de
companhia. É claro que não perdi tempo. Fazia o que os alunos de 1ª série
faziam, os de 2ª, os de 3ª, enfim, ao final do ano letivo fui submetida aos
exames finais, sendo aprovada, com sucesso, iniciando oficialmente minha
jornada escolar.
Sempre uma aluna muito aplicada,
destacava-me por ler muito e, consequentemente, escrever bem. Era chamada para
participar de concurso de redações, para escrever discursos, homenagens,
despedidas.
Da Bíblia a livros históricos, romances, as fotonovelas, Contigo,
Ilusão, Noturno, Sétimo céu, as revistas Manchete, Fatos e Fotos, O Cruzeiro,
Gibis da Walt Disney, recortes de jornais, tudo era novidade nesse mundo tão
maravilhoso.
Na época, a cidade pequena oferecia poucas opções. Não tínhamos bibliotecas, nem
TV, nem bancas de jornais e revistas, o que não foi obstáculo para minha sede
de conhecer o mundo das letras.
Esse meu amor pelos livros foi tão marcante em minha vida que, quando
adulta, ao tornar-me professora e depois supervisora pedagógica, era a maior
incentivadora dos alunos e, como costumavam brincar minhas colegas de trabalho,
ficava com água na boca de tanta alegria toda vez que a escola adquiria novos livros de literatura infantil.
Era a lembrança dos momentos mágicos de minha infância, da minha
escolinha rural, da sala de aula modesta, da carteira para três, do guarda-pó,
do Grupo Escolar Nossa Senhora das Graças, sua escadarias e alunos perfilados para
cantar os hinos cívicos, do cheiro de
livros novos ou velhos, que me
proporcionaram uma das maiores descobertas da minha vida: o mundo mágico das
letras. ( Texto escrito por ESTELA MARIA FREDERICO FERREIRA, leitora da Folha
Rural, espaço DEDO DE PROSA, publicado pelo jornal FOLHA DE LONDRINA, sábado,
25 de Outubro de 2014).
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