Tempo de frio na roça é coisa que não se
esquece. Na década de 1970, meu pai comprou um pequeno sítio em Tamarana. Na
minha aventura em trabalho rural fiquei congelado. Sorte minha que havia mato
para capinar, tinha amendoim para arrancar e outros serviços “leves”. Eu era
adolescente e meu pai não dava moleza.
Mas para quem estava acostumado a trabalhar em padaria, a mudança foi bem radical.
Eu estava de férias e tinha que “descansar
carregando pedra”. Bem à tardinha, quase de noite, descemos o carreador. Eu e
meus dois irmãos mais velhos. Desc i pensando
numa janta das boas e dormir para esquecer que tinha serviço no outro
dia. Mas tinha o banho antes, um banho de água fria, num frio de inverno, num
banheiro sem teto, pois ainda não havia dado tempo de arrumar o telhado. Já se
passaram muitos anos e a graça da lembrança desfaz um pouco o frio mas não a experiência.
Parece trágico, mas chega a ser cômico.
Depois do banho, comi com meus outros dois irmãos uma janta simples mas que parecia o mais lauto jantar. Afinal, quando você está com fome você come
melhor e tudo tem mais sabor. Depois
dormi cansado e acordei para mais um dia da semana em que eu iria ficar no
sítio.
Só faltavam cinco dias – no domingo estaria
de volta para casa – e eu contava nos dedos das mãos, já cheias de bolhas
d’água – coisa de gente desacostumada de enxada. É o que chamam na roça de “mão
fina”.
Naquele dia, comecei a capinar em volta de uns pés de café e meus
irmãos dizendo: “Pode voltar que aqui ainda tem mato”. E tinha mesmo. Tinha mato que não acabava
mais. Acho que era o lugar que mais
tinha mato no mundo. Já estava com saudade das aulas – até as de matemáti ca, física e química. Mas as doces férias me levaram àquele destino cruel. Fatídica semana de roçagens e sol
a pino.
Ao meio dia, depois de uns sustos com
cobras e aranhas que apareciam no meio do cafezal, enfim veio o almoço. Ou melhor, esquentamos o
almoço feito de manhãzinha. Marmita na
mão e garfo na outra. Comi com gosto. Depois do almoço, ficávamos conversando
sobre o serviço a ser feito e eu pensava na minha cabeça de adolescente: “Esse serviço nunca acaba? E lá íamos de novo
debaixo do sol com uns chapéus de palha e enfiando as enxadas nervosas no meio
daquela quiçaça.
Meu pai parecia que tiinha comprado um
sítio que tinha uma roça de mato e em
volta alguns cafezais e não o contrário. Naquela época, ele se recuperava de
uma cirurgia de glaucoma e havia vendido a padaria para pagar a cirurgia e com
a outra metade do dinheiro comprou o sítio. Como não gostava de empréstimo,
acabou comprando um pequeno sítio para não
descapitalizar e fazer alguma renda para a família.
O sítio parece na ter sido dos melhores,
mas como naquela época
havia inflação galopante, não quis correr riscos. Nós fizemos a nossa
parte, trabalham os dia a dia, e deixamos aquele sítio rentável. Aprendi que a
força do trabalho nos torna mais confiantes e cheios de esperança no futuro e a
vida assim tem mais sentido. ( Texto escrito por DAILTON MARTINS, leitor da
FOLHA, extraído do espaço DEDO DE PROSA, FOLHA RURAL. Publicado no jornaL, FOLHA DE LONDRINA, sábado, 11 de outubro de 2014).
Nenhum comentário:
Postar um comentário