Quando o feminismo ainda se engalfinhava com ódio aos homens e rasgação de sutiãs, lá nos anos 1970, ouvi da boca de uma mulher:
- Mulher que é mulher não chora!
Anos depois, ela me disse que mulher chora, sim, homens também, e melhor é chorar juntos. Já outro dia ouvi de um jovem apaixonado:
- Ela nem queria saber de mim até o dia em que chorei, nem lembro mais porque, aí ela também se apaixonou!
Quanta evolução – tecnológica, social e emocional.
Minha avó materna não casou com quem escolheu, mas com quem seu pai mandou casar, e magrinha e fraca de dar dó, lavou roupa no tanque até se deitar para morrer. Minha nonna paterna jamais pensou em trabalhar fora de casa, todo dia religiosamente fazendo almoço e janta, lavando e passando, arrumando e limpando, com serenidade e alegria que só vendo. Seu único lazer eram as novelas de rádio, que entretanto ouvia tricotando. Já suas bisnetas têm lavadora de roupas e de louças, pedem comida pelo uatzap e mandam o marido trocar fralda do nenê, coisa impossível para meus avós.
Na cafeicultura, nosso berço histórico, a mulher era a primeira a levantar, para fazer o café e, depois que o marido ia para a roça com os filhos, cuidava da casa e das roupas, da vaca e das galinhas, do cavalo e da horta, fazia almoço, que ia levar na roça, onde batia enxada até voltar para fazer a janta, que lavava antes de ser a última a deitar para ser de novo a primeira a acordar. Uma escultura da Mulher Colona seria com uma peneira nas costas, um filho mamando no colo e outro agarrado na saia, no outro braço uma vassoura e nos pés uma enxada, na cara olhar firme e sorriso doce. Ou conforme uma bisavó:
- Mulher daquele tempo era valente por dentro.
Minha mãe desquitou Já nos anos 1950 quando se separar do marido era se situar entre leviana e prostituta. Hoje, quase um terço dos lares brasileiros são tocados por mulher sozinha, e essa garra deve vir lá do tempo das cavernas.
O homem sai para caçar, comunicando por gestos (a linguagem ainda não existe) que voltará até o anoitecer, ela não deixe de manter o fogo aceso e de vigiar as crianças, os lobos rondam por perto. Mas anoitece e ele não volta. Ela mantém a fogueira acesa na boca da caverna, para não enfumaçar dentro e espantar as feras lá fora.
Mas ela é humana, ela dorme, acorda com rosnados e não vacila, pega um tição e espanta os bichos. A carne defumada porém está quase acabando, e as crianças olham para ela.
Então ela sai da caverna com nenê no colo, cavoca raízes, manda o menino pegar frutas, a menina catar ovos. Volta a tempo de reavivar o fogo e, antes de anoitecer, ainda vai catar lenha. Então volta o homem, contando que foi com vizinhos da montanha lutar contra invasores vindos de outro vale.
Ela cuida de suas feridas, reaviva o fogo, deita e dorme confiante, a família de novo unida. O homem acorda faminto, quer saber de comida, ela dá o que tem, ele vê que logo precisará sair para caçar. Quando sai, aponta a fogueira, ela balança a cabeça, sabe muito bem que terá de manter o fogo, cuidar das crianças, encher a cabaça de água, e aprendeu até como afastar as feras, mas não sabe comunicar isso, então faz um gesto vago, pode ir, e ele vai.
Somos todos filhos desse homem e dessa mulher, e as feras continuam à espreita: o Estado corrupto e incompetente, as escolas deficientes, a creche sem vagas, o trânsito assassino, a crise e o desemprego, as drogas e as quadrilhas, as descrenças e os desatinos.
Então aqui está a oração: Deus, dai mais força para as mulheres, mais ternura para os homens, assim mais esperança para as crianças, e que todos os amem muito bem, amém. (FONTE: Crônica escrita pelo jornalista e escritor DOMINGOS PELLEGRINI, d.pellegrini@sercomtel@.com.br página 3, caderno FOLHA 2, coluna AOS DOMINGOS PELLEGRINI, 10 e 11 de março de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
Nenhum comentário:
Postar um comentário