Era um sol escaldante. O céu limpinho e sem nenhuma nuvem, no entanto, não era azul. O ar seco piorava com a fumaça das queimadas que alguém, volta e meia, costumava tacar fogo no mato seco. A cidade se entristecia com a falta de chuva, não dava para plantar, não tinha o que colher e, pior, a água também estava escassa. Não a da torneira, que na época não havia, mas a dos poços e rios.
Então era hora de ir à luta para que a chuva viesse e transformasse aquela tristeza Alguns homens, mas principalmente muitas mulheres e crianças formaram a procissão para pedir a Deus que mandasse a bendita chuva. A fé, nesse momento, alimentava a esperança. O povo se reunia no largo da Igreja e a procissão era formada com cuidado. As crianças iam à frente, descalças, não para fazer penitência, mas porque sapatos era um luxo que não cabia em seus pés. Na areia quente e grossa iam pulando e aliviando o calor. Minha vó Luiza costumava colocar um lencinho na nossa cabeça, amarrado nas quatro pontas, que servia para proteger um pouco do sol, e nas mãos cada um trazia além de imagens dos santos, de modo especial São José, uma garrafinha de água que seria levada até o Cruzeiro.
Assim, tendo o sol quente e a areia mais quente ainda castigando os pés, como cenário, seguia a procissão até o Cruzeiro que ficava lá na baixada do Mané Faria. A gente seguia cantando. Eu confio em Nosso Senhor, com fé, esperança e amor... Com minha Mãe estarei... e Ave Marias, e, é claro, rindo e saindo da ordem da procissão, sempre sob o olhar atento das mães e dos mais velhos. Mesmo que a intenção fosse a oração e a penitência, para nós, crianças, sinceramente, era a maior festa...
Lá chegando, mais orações, mais cantos, e a gente jogava no pé do Cruzeiro a água trazida nas garrafinhas. Aproveitávamos para refrescar os pés e até jogávamos um pouco nos outros, com todo respeito.
Consolados e esperançosos, empreendíamos a volta para casa. A volta era a única coisa triste da procissão. Não por falta de fé na chuva que viria, mas pelo cansaço, pés queimando, barriga roncando, criança brigando e chorando, puxando as saias das mães e avós e querendo colo. E a criançada voltava como podia, birrentas, meio penduradas, algumas no colo ou nos ombros, arrastadas.
Se a chuva chegava logo ou não pouco importava, nem me lembro mais... Mas lembro do aprendizado, da esperança, da luta para vencer as dificuldades da vida que eram tantas, mas aquela gente simples possuía a grande qualidade de partilhar e de se apoiar uns nos outros como uma grande família.
Hoje, quem vive na cidade, com todo o conforto, nem percebe as penúrias da falta de água. Indiferente, consulta o Serviço de Meteorologia, nem se dá ao trabalho de olhar para o céu. Não se usa mais rezar e pedir que a chuva caia do céu pelas torneiras de Deus, no tempo certo para as plantações ou para as necessidades das pessoas... Mas é só sairmos do asfalto, em tempo de seca, causar um poeirão com nosso carro equipado com ar-condicionado, observar as plantações flageladas, que nosso pensamento reporta a um tempo muito distante, a uma procissão de rostos queridos, fortes e lutadores que, além de nos ensinarem tantas coisas, nos deixaram um legado de sensibilidade, de valorização da natureza, de respeito pela vida e nos ensinaram a acreditar que Alguém, lá em cima, ouve com carinho o clamor daqueles que não têm nada e precisam de tudo, mas ainda sabem caminhar com fé. (FONTE: Crônica escrita por ESTELA MARIA FREDERICO FERREIRA, leitora da FOLHA, caderno FOLHA RURAL, coluna DEDO DE PROSA, página 2, 17 e 18 de março de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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