Meu trajeto de ônibus para ir à universidade em Campinas, era o mesmo de centenas de trabalhadoras da construção civil ou de mulheres que eram empregadas domésticas em condomínios da região. Lembro-me delas indo ao trabalho com a atenção concentrada nos celulares para ver as horas, tão responsáveis como se fossem gerenciar uma fábrica ou pilotar um avião. Às 7 da manhã, elas vinham com suas bolsas e sacolas, algumas com capacete e uniforme das construtoras, e meu espírito de repórter me fez algumas vezes puxar conversa e descobrir que eram, principalmente, mulheres que colocavam pisos e azulejos em apartamentos e casas, considerada s mão de obra especializada para trabalhos que exigem capricho e o dobro de atenção.
Entre as empregadas domésticas – um luxo em processo de extinção – vi mulheres jovens e velhas, senhoras robustas ou aqueles ‘fiapos de gente’ que não sabemos como aguentam oito horas de faxina intensa, às vezes quatro ou cinco vezes por semana. Quem contrata faxineira quer serviço eficiente, não um relato sobre o dia a dia de trabalhadora. Mas há de se considerar que elas repetem por semana o ato de subir em escadas para deixar vidraças brilhando, aplicam forças aos braços e às buchas para desengordurar fogões, passam pano úmido e cera em apartamentos de 250 metros quadrados, limpam tapetes felpudos e dão duro nos banheiros quando estão um caos.
Aquele esforço que eventualmente algumas donas de casa fazem, clamando depois por um spa ou um cochilo em frente à TV, é repetido várias vezes por semana por mulher que não têm a quem clamar e reclamar e ainda voltam para casa onde marido e filhos as esperam para a jornada dupla.
Ainda assim, nos ônibus, vi mulheres divertidas, deixando a vaidade escapar nas unhas dos pés pintadas – as das mãos quase nunca – com leggins moderninhas e blusas estampadas, comentando no trajeto as feiras e mercados onde o detergente estava mais em conta ou o arroz agulhinha podia ser comprado a granel. Era um batalhão de mulheres, diria que em número maior do que os homens que se dividiam entre os estudantes e os que trabalhavam também na construção civil, sem tanto entusiasmo quanto as azulejadoras que tinham orgulho do seu capricho e do seu capacete.
Quando na última sexta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, vi as estatísticas que demonstram que eles trabalham menos e ganham mais, lembrei-me imediatamente dos ônibus lotados por todas aquelas formigas de desempenho forte no trabalho que me fizeram companhia nas jornadas de um período pesado de estudos e pouca facilidade numa cidade grande.
Pelas estatísticas do IBGE, soube que no Brasil, as trabalhadoras se dedicam 73% mais do que os homens na combinação de trabalho remunerado, tarefas domésticas e cuidados de pessoas. Mais: na jornada total, em que se soma o trabalho profissional e doméstico, as mulheres trabalham 54,4 horas semanais contra 51,5 horas dos homens. Por desaforo, na minha opinião, e falta de políticas que equiparem a remuneração, o documento aponta que elas merecem apenas 76,5% da média salarial dos homens, mesmo trabalhando mais na soma da jornada total. Vi também que, na política nacional, ainda há pouca presença feminina. Em Londrina, dos 148 vereadores eleitos até hoje, apenas 11 foram mulheres, sem contar que aguentamos deles a boca aberta para uma enxurrada de sandices e escândalos. Em nível nacional, nada muda, são apenas 9,9% de mulheres do total de deputados eleitos em 2014. Eles, claro, na vanguarda da corrupção e regulando políticas que valorizam o trabalho feminino. Tendo isso em vista, espero que nas eleições de 2018, as mulheres se lembrem de tudo isso e na hora de votar pensem nas formigas e não apenas nas “cigarras” que não trabalham em casa, embora ostentem a qualificação de chefes de família que veem mais partidas de futebol do que lavam a louça, aquela empilhada desde ontem na pia da cozinha, à espera de mãos e unhas sem esmalte. E saibam que não me considero um exemplo de feminismo, mas não sou besta. (FONTE: Crônica escrita por CÉLIA MUSILLI, celia.mussli@mail.com, jornalista e escritora, caderno FOLHA 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 3 e 4 de março de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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