Eu tinha oito anos quando meus pais se separaram e com mãe e irmã fomos morar em Assis. Mãe alugou casa, mandou pintar e o pintor levou pilhas de revistas, O Cruzeiro para forrar o chão. Então me apaixonei pela leitura levado por Vão Gogo (Millor Fernandes, David Nasser e Raquel de Queiroz. Depois li Fábulas de Esopo, sem saber que o autor analfabeto de meu primeiro livro jamais escreveu uma linha, teve suas fábulas decoradas e escritas por ouvintes depois de sua morte.
Depois me apaixonei por outro escritor que nada escreveu, suas parábolas foram transcritas décadas depois de sua morte. Ele mesmo só rabiscou na terra, ganhando tempo para para responder aos que queriam apedrejar a prostituta: - Quem não tem pecado, atire a primeira pedra. Procurando saber mais de sua vida, ganhei gosto por pesquisa e, assim, dois escritores que não escreveram são meus patronos no mundo das letras.
Virei rato de biblioteca, expressão que decerto vem da fuçonice dos ratos, como são fuçadores de estantes os bibliotequeiros. Em Marília, onde fomos morar depois, de ir toda noite à biblioteca, onde o bibliotecário usava bota ortopédica. Eu escolhia livros de poesia no fichário, e lá ia ele procurar para me entregar, sempre claudicando. Até que, depois de muitas noites assim, sentou diante de mim:
- Pelo jeito, o senhor vai acabar lendo toda nossa seção de poesia. Mas, pedindo livros avulsos, pode acabar esquecendo um ou outro. Se, porém, eu for lhe trazendo os livros das estantes palmo a palmo, o senhor com certeza vai acabar lendo todos e eu terei menos trabalho. Combinado?
Me estendeu a mão, que apertei engrandecido por ele me tratar de “senhor”, rapazola de treze anos. Três anos depois, entrei na biblioteca e ele veio claudicando a meu encontro, para dizer que tinha boa notícia e má notícia.
- A má notícia é que não temos mais livros de poesia que o senhor não leu. A boa notícia é que assim o senhor se tornou o nosso maior leitor de poesia.
Décadas depois, estou como escritor discutindo na abertura de congresso nacional de bibliotecários, em Curitiba, e conto essa história, lamentando não saber o nome daquele bibliotecário. Mas logo recebo um bilhetinho:
“Aquele bibliotecário era meu pai, e hoje tem seu nome a Biblioteca Municipal João Mesquita Valença”. Mal consegui terminar meu discurso, pois ratos de biblioteca tem curiosidade só menor que o coração.
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NOTÍCIAS DA CHÁCARA
HELICÔNIA
Heliconia rostrada – tal beleza teria de ter também um belo nome. Sua planta se assemelha à bananeira, daí o nome popular de bananeira-do-brejo. As flores propriamente são embutidas nas brácteas, envelopes florais que não impedem de serem sugadas por costumeiros beija-flores.
Antes, eu olhava flores como quem passa por elas, ou seja, apenas olhando sem ver. Com Dalva, aprendi a ver flores, para prestar atenção em seus detalhes e, mais, sentir como enriquecem a vida. Conta a lenda que o mestre, andando à beira de precipício, parou para apreciar uma flor. O discípulo logo alertou que era perigoso parar ali só para isso. O mestre respondeu que perigo maior seria passar por tão bela flor sem olhar, seria um cego à beira de um precipício. (FONTE: Crônicas escritas por DOMINGOS PELLEGRINI, d.pellegrini@sercomtel.com.br jornalista e escritor, página 3, caderno FOLHA 2, coluna AOS DOMINGOS PELLEGRINI, 3 e 4 de fevereiro de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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