O fenômeno cocooning – que significa “aconchego do casulo” – aponta um tipo de comportamento no mundo contemporâneo. Se parece poético falar de uma pessoa excessivamente centrada em si mesma – que tem pouco ou nenhum contato social, preferindo viver em casa – por outro lado, há quem aponte que isso pode gerar comportamentos esquizoides, levando à angústia, à frustração e ao medo de enfrentar a realidade.
O Japão, um dos países mais tecnológicos do mundo, criou outro termo para essas pessoas, geralmente trancada com seus computadores, apontando para uma mudança de comportamento que leva a relações extremas entre homens e máquina, como o abandono completo das relações sociais e de grupo. Lá, esses isolados se chamam Hikikomori, termo para o qual os britânicos também já têm uma expressão própria: NEET.
Os japoneses estão preocupados com o que já consideram um síndrome: o número crescente de pessoas, sobretudo do sexo masculino, entre 15 e 39 anos, que se relacionam basicamente com o mundo digital. Quem criou o termo foi o psicólogo japonês Saito Tamaki, nos anos 1990, ao observar que no Japão cerca de um milhão de jovens do sexo masculino sofre desse distúrbio que leva à extrema exclusão e isolamento social.
Ao traçar o perfil dessas pessoas, notou-se que a maioria vive em ambiente de muito conforto e tecnologia, entre seus interesses marcantes estão os mangas, animes e videogames, embora isso não seja uma regra. Mas vivendo numa concha, eles não trocam esse tipo de entretenimento por coisas que seriam naturais para outras gerações: como a roda de amigos ou reuniões familiares. Essas pessoas quase sempre chegam também aos 40 anos dependendo financeiramente dos pais, mas o que pode parecer “vagabundagem” é, sobretudo, o medo de enfrentar o mundo. Na verdade, com o isolamento, eles têm um medo cada vez maior de contatos. Geralmente não param em empregos e desenvolvem baixa autoestima, vivendo de forma claustrofóbica, sem ligar muito para si mesmos ou para sua imagem, chegando a dispensar cuidados com a higiene. Afinal, tudo passa a não ter muita importância.
O serviço de saúde pública do Japão chegou a criar a figura das assistentes sociais que ajudam no tratamento do Hikikomori, uma espécie de confraria de “super irmãs”, formada por pessoas do sexo feminino que telefonam e escrevem cartas aos isolados, convidando-os para ir ao cinema, shoppings, festas, enfim, os estimulam a ter vida social.
Claro que o extremo isolamento não tem nada a ver com o fato da necessidade de algumas pessoas ficarem sozinhas para se dedicar a coisas de seu interesse. Em outra direção, existem pesquisas que afirmam que sem isolamento circunstancial, as pessoas não criam. Escritores, cientistas, intelectuais e artistas em geral, às vezes precisam de reclusão para desenvolver um trabalho, que não combina com um mundo ruidoso no qual a atenção é dispersada constantemente. É necessário um bom senso para perceber as diferenças e não sair tachando um comportamento singular como isolamento doentio. Mas em sociedades cada vez mais adaptadas a tecnologias, na qual sonda-se a possibilidade até da imortalidade com o implante de chips que clonam consciências, transportando-as para outros corpos – como na série “Altered Carbon”, literalmente “caderno alterado” – nada mais parece impossível, e nasce um estranho mundo novo que vai muito além das especulações de Aldous Huxley. Mas essa é outra história que vou contar outro dia. (FONTE: Crônica escrita por CÉLIA MUSILLI, celia.musilli@gmail.com, jornalista em Londrina e escritora, caderno FOLHA 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 17 e 18 de fevereiro de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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