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quarta-feira, 12 de julho de 2017

O IMPACTO DO CÂNCER NA FERTILIDADE


   Especialista esclarecem os tipos de tumores e terapias que podem comprometer a função reprodutiva; pacientes devem ser orientados antes de iniciar o tratamento 
   Há poucas décadas, não se podia imaginar um médico conversando sobre fertilidade com um paciente com câncer. Hoje, já existe a oncofertilidade, uma interface entre a oncologia e a reprodução humana, em que a qualidade e vida social dos indivíduos são levados em conta com o tratamento. 
   Essa esfera tem alguns motivadores, como o avanço da medicina que promove um prognóstico de sobrevida aos pacientes, as novas tecnologias e pesquisas no campo da reprodução humana e o fato, também, de que a doença tem atingido homens e mulheres em idade reprodutiva. 
   Segundo o oncologista clínico Vitor Teixeira Liutti, que atua no Hospital do Câncer de Londrina, os tumores ginecológicos são os mais relacionados com a infertilidade. “No caso das mulheres, são os de colo uterino ,endométrio, ovário e vulva. Em homens, são os linfomas e o de testículo. Isso relacionado ao tumor em si. Se associarmos a infertilidade com o tratamento, o mais comum no sexo feminino é o de câncer de mama, mesmo não tendo relação com o trato genital”, afirma. 
   Liutti comenta que há três pilares de tratamento na oncologia: cirurgia, radiologia e quimioterapia. A cirurgia pode comprometer a fertilidade quando se faz um procedimento, por exemplo, de retirada do útero ou ovários; ou nos homens em cirurgia da próstata que compromete todo o aparelho espermático ou do testículo. 
   Na radiologia, quando aplicada, por exemplo, na pelve, os folículos ovarianos podem entrar em falência por conta disso. Já da parte masculina, a atenção é para o tratamento próximo da gônada, como para tumores de reto, próstata e de testículos. “Atualmente há técnicas que conseguem focar mais no tumor e menos nas estruturas em volta. Mas ainda assim há a possibilidade de comprometimento. Outro fator a ser considerado são os pacientes submetidos à radioterapia no crânio, pois podem atingir a hipófise e comprometer a produção hormonal que estimula tanto os folículos ovarianos quanto as espermatogônias dos testículos”, comenta. 
   Quanto à quimioterapia, o impacto na fertilidade vai depender muito do tipo e dose aplicada, da idade de cada paciente e a reserva ovariana ou de espermatozoide.
   O ginecologista Ricardo Marinho, membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, explica que alguns tratamentos baseados na quimioterapia atingem as células cancerígenas, mas também as células germinativas, em homens e mulheres. 
   “O cenário que a gente tem hoje são mulheres mais jovens com tipos de câncer que tem a chance muito grande de serem curadas, mas que a quimioterapia pode afetar a chance delas engravidarem futuramente. As mulheres passaram a prestar atenção nisso agora, mas os homens também”, comenta ele, diretor científico da Clínica Pró-Criar, em Belo Horizonte (MG). 
   Para o oncologista, o aspecto mais importante é a idade. “Artigos estimam que em adolescentes o risco de infertilidade induzido pela quimioterapia é entre 6% a 12% e em pacientes acima de 40 anos á acima de 50%, afirma, considerando a lógica de que o avançar da idade dificulta cada vez mais as chances de mulheres engravidarem. 
   “Mas pode acontecer que com o tratamento o paciente entre em quadro de infertilidade transitória e, com o passar de alguns anos, volta a ser fértil. Isso pode ser conferido com exames específicos”, completa Marinho.

   CONTRACEPÇÃO 
   Ainda de acordo com o oncologista, é preciso aconselhar os pacientes também sobre a concepção durante o tratamento de câncer. “A mulher não pode engravidar nesse período porque há o risco dela perder o bebê e também comprometer o tratamento, pois ele não poderá ser continuado”, salienta. 
   De forma geral, a recomendação para esses pacientes é o suo de métodos contraceptivos de barreira, como é a camisinha ou DIU (dispositivo intrauterino). “Muitas vezes, as mulheres têm alguns tumores que são dependentes de hormônios e por isso, nesses casos, usar o contraceptivo é uma recomendação de rotina”, diz. (Leia mais na página 10). 

   ‘O SERVIÇO PÚBLICO TEM FILA E O ACESSO PODE DEMORAR ANOS’

   Especialista em reprodução humana há mais de 40 anos, Osmar Henriques, de Londrina, ressalta que a mensagem mais importante é de que o tratamento de câncer não impõe um final ao desejo de ter filhos. “Hoje, muitos pacientes nos procuram antes do tratamento por orientação dos oncologistas, o que é sinal de que está existindo conscientizção”, aponta Fernandes, do Centro de Reprodução Humana de Londrina. 
   De acordo com o especialista, o método atual para “preservar” a fertilidade é o congelamento de óvulos e espermatozoides. A mulher é submetida a uma hiperestimulação (uso de hormônios através de injeções) para impulsionar o crescimento do maior número de óvulos. O procedimento dura cerca de 10 minutos e é feito por punção, com anestesia ou sedação. 
   No homem, este preparo não é necessário. Na primeira coleta, o embriologista verifica se há uma quantidade boa de espermatozoides, caso contrário, mais coletas serão realizadas. O material passará por um processo de vitrificação, que faz o congelamento em segundos e será preservado em nitrogênio líquido, por tempo indeterminado. 
   Segundo Ricardo Marinho, ginecologista especialista em reprodução humana, a reprodução assistida é oferecida em alguns serviços públicos no Brasil, mas a maior parte ainda sem a medicação para estimular a ovulação. “Porém, a questão da logística é um complicador, pois esses pacientes (têm que ser atendidos rapidamente, pois precisam colher os óvulos e espermatozoides antes de iniciar o tratamento oncológico. O serviço público tem fila e o acesso a esse procedimento pode durar anos”, salienta. 
   Ele acrescenta que há a possibilidade de usar alguns medicamentos em mulheres durante a quimioterapia, para suprimir alguns hormônios, mas que a literatura ainda busca confirmar a efetividade do método. “Enquanto não há uma medicação que proteja totalmente o ovário, a gente pode guardar óvulos para que quando o oncologista liberá-la para engravidar, ela utilize os óvulos congelados para fertilizá-los com o sêmen do marido e transfere para seu útero”, comenta. 
   Marinho também comenta que uma inovação na área, mas em caráter experimental, é a de congelar um fragmento do tecido ovariano, que futuramente poderá ser reimplantado no organismo. “Se estabelecida, poderia ser talvez, uma opção para pacientes mais jovens que ainda não estão ovulando. (M.O.) 

   SAIBA MAIS
Principais tipos de câncer relacionados à fertilidade
(FONTE: MICAELA ORIKASA - Reportagem Local, FOLHA SAÚDE, segunda-feira, 10 de julho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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