Páginas

domingo, 2 de julho de 2017

LONDRINA ENTRE DOIS INCÊNDIOS


   Entre a reconstrução do Ouro Verde e a destruição de um ginásio de esportes, a cidade aguarda o futuro

   Londrina vive no momento a história de dois incêndios. Um com final feliz, apesar da tristeza permanente de ter perdido o prédio original do Teatro Ouro Verde, obra sublime de Vilanova Artigas. Mas temos aí um novo espaço cultural, cópia do primeiro com as adaptações exigidas pela atualização arquitetônica, que converteu de vez um cinema em teatro. 
   O outro incêndio ainda queima na memória recente de quem conheceu o Ginásio Alceu Malucelli, durante muitos anos sede Associação Londrina de Ginástica Artística ALGA. Fico pensando sobre o que os incêndios nos ensinam: a lição mais importante tem a ver com o descaso. Descaso com os bens públicos, descaso com espaços que guardam histórias que se relacionam à cultura e identidade das cidades. Londrina tem belos espaços públicos, alguns marcados pelo mesmo abandono da antiga associação de ginástica, mas que poderiam acolher novos projetos que renovariam sua existência com outras realizações no campo da cultura, do esporte, da cidadania, enfim. 
   Perde-se cidadania quando a população e o poder público não se importam mais com construções marcantes como a do antigo ginásio de esportes , espaço situado no Jardim Higienópolis, próximo do córrego Água Fresca e que foi, paradoxalmente, consumido pelo fogo. O local nos remete à história de Londrina que teve a felicidade de ser planejada com o aproveitamento dos fundos de vale nos quais riachos e vegetação servem de cenário da vida passada e, talvez, da vida futura, se os homens que a habitam tiverem boa vontade. 
   Na última quarta-feira, a cantora e atriz Edna Aguiar e o violonista Leandro Rubi se apresentaram no local tristemente queimado para lembrar valores de cidadania nos espaços que guardam memória e podem servir a uma nova história com outras ocupações. Usaram a arte como forma de protesto juntamente com uma pequena plateia de alunos, pais e professores de uma escola que funciona no bairro. Ao mesmo tempo, o pessoal que forma em Londrina o movimento Todos Por Um fez uma transmissão ao vivo mostrando as dependências do antigo ginásio consumido pelo fogo há pouco mais de dez dias. 
   No vídeo, que circula nas redes sociais, aparece uma sala de troféus. Foi com imenso pesar que vi em fundos de armários, troféus que ainda brilham indicando um tempo de vitórias dos pequenos atletas que um dia treinaram num espaço hoje convertido em cinzas. É triste ver troféus brilhando no escuro como a marca de um tempo que se perdeu num céu de triunfos. 
   Nada fizeram pelo prédio que o fogo consumiu depois de ser utilizado por gerações de meninos e meninas que se projetaram no esporte do Paraná e do Brasil, trazendo a Londrina a sensação de que a cidade era também vitoriosa. Não existe vitória quando espaços públicos pegam fogo depois de terem servido a uma cidade que não pode transformar em descaso o que anteriormente foi sua glória. 
   Em pleno século 21, a Londrina do ciclo do café, que lhe deu o Ouro Verde, e dos ginásios de esporte, que lhe deram vitórias, merece mais do que ter seu passado brilhando no escuro, como pequenos olhos que nos instigam a enxergar que as coisas vão mal quando edifícios queimados como um passado que não merece cuidados e tampouco amor. As cidades só ganham quando as amamos a partir de construções marcadas pelo talento de mestres como Artigas ou pelas mãos hábeis de pedreiros que, tijolo a tijolo, ajudaram a criar sua configuração urbana. Em Londrina, antigos barracões de café, velhas casas, escolas e ginásios de esportes reivindicam um olhar que não só o de especulação imobiliária, mas o de afeto que humaniza as cidades a partir do zelo com sua identidade. Desejo vida longa ao novo Ouro Verde que renasceu das cinzas, desejo que velhos espaços se convertam em novas ocupações e espero que um gesto de cidadania resgate dos armários queimados do antigo ginásio os troféus que meninas e meninos conquistaram como sinal de amor pela cidade que ainda respira entre dois incêndios. (Crônica da escritora e jornalista CÉLIA MUSILLI, celia.musilli@gmai.com caderno FOLHA 2, página 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 1 e 2 de julho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

Nenhum comentário:

Postar um comentário