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domingo, 30 de julho de 2017

FAXINA COMO OBRA-PRIMA


   Para Cida, todas as famílias são felizes quando usam multibrilhos, multiusos e outros produtos de limpeza
   A faxineira chega mostrando tudo que sabe a respeito de limpeza, aprendeu na televisão. Digo sempre que água e sabão são os melhores produtos para deixar a casa em ordem, mas ela retribui com um muxoxo e despeja uma lista de coisas que podem ser compradas nos supermercados e fazem sua alegria.
   Loc, Limpabrilho, Batuta e outros nomes inimagináveis estão no rol dos produtos que não podem faltar na prateleira. Eu, que sempre gostei de casa limpinha, acabo cedendo aos sonhos de consumo da Cida que é maníaca com alumínios. 
   Outro dia, inconformada só com o Bom Bril, trouxe de casa uma pastinha cheirosa que, segundo ela, deixa as panelas “alumiando”. Respondi que não ligo muito para panelas brilhantes, depois me arrependi quando a vi mirando-se na frigideira como se fosse um espelho. A vaidade da Cida não é ter unhas feitas ou cabelo pintado. A sua vaidade é deixar panelas faiscando, como se fossem o cartão de visitas do seu trabalho. 
   Querem ver a Cida feliz? É só trazer do supermercado um saco grande com tudo que a indústria conseguiu criar para deixar satisfeitas as donas de casa aflitas e suas parceiras insuperáveis. 
   Se é assim, bendita seja a Cida na minha cozinha, cantando enquanto limpa e esfrega, como se o ato fosse a sua obra-prima, o gesto insubstituível de quem acredita que panela brilhando é motivo de felicidade. Ela me disse que na casa dela “pode faltar até comida, mas não pode faltar produto de limpeza.” Vá entender porque o Batuta é mais importante que o pão. Só mesmo se ligando nas coisas da televisão, onde todas as famílias são felizes quando usam multibrilhos, multiusos e outros produtos que devem limpar até a alma. 
   Quer completar a felicidade da Cida? Depois de tudo arrumado, deixe-a usar aromatizador na casa, aquele de cuja embalagem saem flores, estrelinhas e acho que até um príncipe a cavalo, a julgar pelo olhar encantado da faxineira que se comporta como se abstraísse da vida o perfume. De pinho, é claro. 
   Ela não conhece marcas de shampoo ou desodorante, além do Palmolive e da boa Água de Rosas, mas pergunte sobre ceras, detergentes e desinfetantes, a moça tem uma cultura capaz de dar inveja aos representantes da indústria química. 
   Outro dia me informou porque queria lavar a roupa com Varac, demorei a descobrir que o tal produto é primo da velha Q-Boa. Cida não sossegou enquanto eu não trouxe uma embalagem grande que me valeu a promessa: “A senhora vai ver que beleza vão ficar os panos de prato.”
   Eu, que passei anos trabalhando fora e dou todo valor à limpeza básica, fico encantada com os excessos da Cida e não saberia melhor que ela polir as panelas até que se tornem espelhos, que outro dia mirei repetindo os hábitos da moça que só fica contente quando “alumia” tudo. 
   Mal sabe ela que o máximo que aprendi de limpeza foi nos primeiros parágrafos do clássico “Sabedoria quebra-galhos”, livro que é a bíblia das donas de casa, do qual não passei nem do Gênesis. Deixo para especialistas este conhecimento de pastas à base de amoníaco, álcool ou cloreto, um mundo que faz a alegria de quem esfrega e limpa cantando. 
   Não tenho vocação para as minúcias da boa dona de casa, mas admiro aquelas que “são mães, amantes, esposa e ainda por cima conseguem bater um bolo”. Estão rindo? Pois saiba que este é o texto de apresentação de um site, chamado oportunamente “Amélia”. E fico aqui com meus botões. 

   A jornalista Célia Musilli está em férias. Neste mês, serão reproduzidas na Folha 2 algumas de sua crônicas já publicadas e que tiveram maior acesso pelos leitores. (Crônica da coluna CÉLIA MUSILLI, celia.musilli@gmail.com caderno FOLHA 2, página 2, 30 e 31 de julho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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