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quinta-feira, 27 de julho de 2017

ESPELHO, ESPELHO MEU


   Na década de 1980, nas páginas da revista “Chiclete com Banana”, o cartunista Angeli apresentou o emblemático Walter Ego, um personagem que amavaa si mesmo acima de tudo e todos. Conhecido como “o mais Walter dos Walters”, autoproclamava-se “o maioral”, destacando-se nas mais inusitadas circunstâncias. Inexista um terreno em que Walter Ego são acreditasse sobressair-se: era o melhor cantor, escritor e desenhista; o verdadeiro galã, gênio e insuperável ser. Diante de um espelho (seu mais fiel amigo e escudeiro), Walter Ego penteava seu topete e conversava exaustivamente consigo mesmo, rasgando elogios e concluindo ser o suprassumo da criação. 
   Sempre em busca de aparecer e demonstrar seus “dons”, Walter Ego se irritava com aqueles que não enxergavam seus variados talentos. Sua autoconfiança era tanto que, mais de uma vez, perguntou-se por que a TV não o filmava tomando banho, fazendo a barba, preparando um café ou lendo o jornal. Julgava ser brilhante até quando não estava fazendo nada. 
   A palavra ego, em latim, significa “eu” e designa, noutras etimologias, a ênfase na primeira pessoa do singular. É bem provável que Angeli tenha desejado fazer humor com essa expressão. Afinal, o ego é aquilo que se quer manter sob controle, para evitar situações constrangedoras ou letais. Sigmund Freud, por exemplo, assentiu que o ego é o famoso “princípio da realidade”, um apelo do “eu” a um equilíbrio entre a animalidade dos instintos e a força impositiva da sociabilidade. Com o ego desajustado e, portanto, veneráveis diante de suas pulsões ilimitadas rumo ao prazer, os indivíduos correm o risco de não sobreviver coletivamente. Autocontrole, então, é a palavra-chave. 
   No mundo contemporâneo, o ego encontra inspiração para desafiar a sensatez. A hipercompetitividade mercantil entre os indivíduos, o consumismo como receita exclusiva de felicidade, o sumiço das fronteiras entre o público e o privado, o culto à autoimagem e a despolitização generalizada da vida comum, entre outros fatores, empurram o ego para uma situação-limite: a de obrigar-se a aparecer a todo custo, ostentando a miséria de vida que o suporta e revelando a tristeza que o incendeia e ameaça transformá-lo em cinzas. 
   Embora seja monitorado pela razão, o ego tem dimensões insondáveis, em cujos labirintos brotam paixões irreconhecíveis. Essa manifestação “inconsciente” do ego pode ter raízes em experiências traumáticas de fracasso, ressentimento e dor pela admissão de impotência e inabilidade. Nesse sentido, indivíduos, quando incham o ego para aparecer, desnudam sua abissal fragilidade e acabam entregando um pouco da realidade que oos forjaram – uma realidade, vale frisar, na qual se sentem torturados por ter de conviver com eles mesmos. 
   Todos conhecem algum Walter Ego. Eles existem aos montes e estão espalhados pelo mundo. O intuito deles é receber elogios. Quando não conseguem, fazem autoelogio pulando em trampolim alheio. Walter Ego é um personagem real, que pode ser encontrado à esquina, sempre em busca de um holofote, uma chuva de confetes ou uma polêmica gratuita. Estar em evidência é é o ar de que ele necessita para sobreviver. Apenas sobreviver. (FONTE: Crônica escrita por MARCO. A. ROSSI, sociólogo e professor da UEL – cidadefutura@folhadelondrina.com.br página 8, FOLHA GERAL, coluna A CIDADE FUTURA, quinta-feira, 27 de julho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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