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sábado, 8 de julho de 2017

COSTUMES - (aos Domingos Pellegrini ) e CONVIVÊNCIA ( Quintal do Mundo).


   Tio Tão vê noticiário e diz que nada mais espanta, nem presidente réu ou deputado presidiário, quadrilhas ramificadas como plantação de batatas.
   - Batatinha quando nasce esparrama pelo chão, as quadrilhas se esparramam pela nação. Mas tudo é questão de costume. 
   - Como assim, tio?
   - O crime virou costume, tanto nas tais altas esferas como no zé povinho. No alto, as quadrilhas assaltam a república, no baixo, quadrilhas assaltam bancos e cargas. E, no meio, a classe média frauda concursos públicos. 
   - Mas nem todo mundo é assim, tio!
   - Claro. Alguém tem que trabalhar direito para pagar as contas desses governos que gastam mais do que ganham. E, se não houvesse de quem roubar, nem haveria tantos ladrões. 
   - Então, tio, qual a solução?
   - Tio Tão adoça seu café com rapadura raspada a canivete, e beberica antes de responder:
   - A solução é desacostumar, ué! Os pais ensinando os filhos que roubar é feio, e quem engana está enganando a si mesmo, porque no fim a enganação não vai dar certo. E desacostumar de privilégios. 
   - Privilégios, tio?
   - Tantos dos ricos quanto dos pobres. O rico compra impunidade pagando advogado. O pobre ganha bolsa e paga com voto. O empresário sonegador tem crédito oficial, e o trabalhador se encosta no seguro-desemprego. Olha os deputados da Inglaterra. Lá eles não faltam na segunda-feira e não tem poltronas reclináveis, sentam em bancadas reta e estão sempre quietinhos ali, sem fazer alvoroço como fazem os nossos. Lá tem ordem aqui tem ordem só na bandeira. 
   - Nossa, tio, não está sendo muito severo?
   - Não me engano com lero-lero. Democracia, cidadania, ecologia, tudo que tem ia só funciona se tiver ade. 
   - Ade, tio? 
  - Honestidade, verdade, produtividade, claridade, que chamam de transparência. E tanto esquerda quanto direita costumam andar longe disso. No poder são iguaizinhos, governam para seus eleitores, parentes e curriolas. Faz séculos que a direita está acostumada com isso, e a esquerda se acostumou rapidinho. 
   - Então a solução está no centro, tio? 
  - Não, está dentro. Dentro de cada um, até se formar uma maioria honesta para um país que presta. 
   - E por que adoça o café com rapadura, tio?
   - Porque dá mais trabalho mas é mais gostoso. Questão de costume. 

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   QUINTAL DO MUNDO 
   CONVIVÊNCIA

   Na Mata dos Godoy, o cipó é tão grosso que nos deixa a pensar: cipó é assim tão agarrado porque é dependente ou porque não gosto de crescer só? Reinhard Maak, no seu livro Geografia Física do Paraná, conta que viu na floresta do então Sertão de Tibagi, que era aqui, árvores grandiosas e há muitas mortas, entretanto ainda em pé, sustentadas pelos cipós. 
   Passear pela mata é diversidade e conexão. Tudo é interligado, já a partir das folhas mortas que, no chão, tornam-se húmus a realimentar as árvores. O bicho leva sementes no barro das patas, para germinarem longe da mãe. A perereca vai procriar numa forquilha tímida lá no alto, enquanto embaixo as minhocas fertilizam a terra. A floresta é resultado de convivência, dirá o otimista. Mas, dirá o pessimista, também é luta incessante dos animais por comida e das plantas por espaço e sol. 
   Democracia também é assim, não? Convivência e luta. Na mata, entretanto, há silêncio. Bichos, plantas e insetos se entendem e se desentendem sem alarde. Não há marchas, bloqueios, gente gritando viva isso, fora aquilo. Apenas, conforme Guilherme de Almeida, criador da Bandeira de Londrina, “uma araponga bate seu bico de bronze na atmosfera timpânica”. (Crônicas de DOMINGOS PELLEGRINI, escritor e jornalista, d.pellegrini@sercomtel.com.br caderno FOLHA 2, página 3, coluna AOS DOMINGOS PELLEGRINI, 8 e 9 de julho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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