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sábado, 8 de julho de 2017

O ARMAZÉM DE PAPAI


   Meus pais se casaram em Casa Branca (SP), em 1947, vindo depois para Sertaneja. Era o início da cidade: algumas casas, terra vermelha, muito pó, muito barro, muita lama, sem água enfim, tudo muito difícil. 
   Minha mãe conta que as pessoas iam na fazenda dos Turquino, no final da rua, para lavar roupa e pegar baldes de água para as necessidades da casa. Iam bem cedo porque depois chegavam os carroceiros. Lá havia um poço de água que a cidade toda usava, por generosidade da família (João, Renato, Hélio, Tito, Flávio). São parentes daquele outro Flávio que há pouco tempo saiu na mídia por não aceitar suborno. 
   Papai tinha um armazém de secos e molhados, onde se vendia de tudo, desde grãos, ferramentas, alimentos e até bebidas. Ficava na esquina, tinha três portas. Os produtos eram colocados em prateleiras que ocupavam quase que uma parede inteira. Um pouco à frente, um grande balcão de madeira; sobre ele, num canto, ficava uma balança Filizola para pequenos pesos e em outro local, uma maior para sacos pesados. Na outra ponta do balcão, era o lugar onde se serviam doses de bebidas, até a pinguinha, que tinha seus fregueses assíduos. Quando alguém se excedia e se tornava inconveniente, era então convidado a se retirar para não espantar a freguesia. 
   Na parte interna do balcão, ficava uma gaveta onde se guardava o dinheiro, depois os talões de nota fiscal, cadernos de marcar os fiados, objetos de limpeza, papel de embrulho e saquinhos de papel para mercadorias e, perto das bebidas, uma pia com torneira. Ao lado, ficava um grande caixote de madeira, com sete divisões e tampa, onde se colocava a granel, arroz, feijão, açúcar, macarrão, café limpo, milho e farinha de mandioca. Também havia para vender, rolo de fumo, fardo de carne seca (jabá), barricas de sardinhas e azeitonas , além dos sacos de macarrão em maço – da marca Petybom existente naquela época. 
   Do armazém saía uma porta interna, uma escada com dois degraus e que ia dar no escritório de meu pai, onde se fazia a contabilidade dos negócios. Descendo a esquina, fazendo parte da mesma construção, ficava a loja que meu tio tomava conta onde se vendia fogão a gás e o gás propriamente dito. Papai era era distribuidor exclusivo da Plenogás Fuganti, do cimento Votoran, da Votorantim de Sorocaba, e representante da cerveja Brahma, de Agudos, cidade onde estudei interna no colégio de freiras. 
   Muitos dos nossos fregueses moravam nos sítios e vinham a pé, a cavalo, em carroças, de camionete. Faziam suas compras e só pagavam no final da colheita, pessoas honestas e trabalhadoras. 
   Mamãe contava com três ajudantes no armazém, e papai saía com os caminhões para São Paulo e interior para comprar e vender cereais, principalmente milho, que despachava por trem de Assis para Santos, para exportação. 
   Meus irmãos e eu nascemos e passamos nossa infância em Sertaneja nas décadas de 1950 e 60. Vez ou outra, apareciam circos e parques de diversões por lá. Que alegria! Como nos divertíamos com os palhaços, malabaristas, globo de morte, trapezistas que nos faziam ficar com o coração na mão. E no parque, brincávamos nas gangorras, barquinhos e linhas músicas eram tocadas no alto-falante. Tudo muito rústico, muito simples, mas para nós, crianças, era a maior felicidade. (Crônica de IDIMÉIA DE CASTRO, leitora da FOLHA, página 2, coluna DEDO DE PROSA, FOLHA RURAL, sábado e domingo, 8 e 9 de julho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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