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sábado, 3 de junho de 2017

AOS DOMINGOS PELLEGRINI - MELANCIA NOTÍCIAS DA CHÁCARA - VALEI-NOS


   MELANCIA

   No calorão de ensopar colarinho, entro no bar e peço água mineral sem gelo, sabendo que, se tomar gelada, suarei ainda mais. Mas só tem gelada, então peço um copo da torneira mesmo, e tomo enquanto alguém do lado de gravata me ignora, mas outro de macacão me sorri companheiro. 
   Na calçada, vendedor de melancia enfileira fatias no tabuleiro, e uma voz antiga fala no ouvido: há quanto tempo você não come melancia em pé na rua? Peço uma fatia e me lambuzo, lembrando de quando menino, na mesma esquina, comia quebra-queixo antes de ir para a vesperal do Cine Ouro Verde. E a voz fala: que menino feliz você foi na Capital do Café! Lembra? Ali da Ferragens Fuganti saíam caminhões carregados de foice e enxadas para as fazendas, enquanto camelôs formavam rodas de gente em cada esquina, dinheiro correndo feito água, como diziam, e ...
   Uma senhora tão idosa quanto pobre, a julgar pelas rugas e roupas, chega-se com o menino pela mão e pergunta o preço da melancia. O menino nem pisca olhando sua fatia mas, quando o vendedor fala o preço, pensando ser pela melancia inteira, ela arregala os olhos engolindo seco. Tudo isso? O homem entende e corrige o preço, o menino olhando ansioso para ela.
   Ela cata moedas, paga, pega faca no tabuleiro e retalha a fatia bem rente à parte branca: “pra render”, explica. Lembro do caso antigo: O visitante almoço na rica fazenda, com melancia de sobremesa, e uma menina “de criação” recebe as cascas para roer. O visitante quer dar a ela nova fatia, os da casa dizem não, ela gosta “das partes brancas”...
   O menino rói sua fatia até a parte branca, daí falta obrigado vó. Ela pega a fatia roída e dá mais umas mordidinhas , então falo, mentindo com muito jeito, que o menino lembra um neto meu distante e... ela se importará se, por isso, eu oferecer outra fatia a seu neto? Ele agora olha para ela sem nem piscar – porém ela não fala não, ele já comeu, mas o vendedor me dá piscadela, olha o relógio, dizendo que precisa ir embora logo, então fará duas fatias pelo preço de uma, ela que aproveite.
   Pago e me afasto, para de longe ver o menino e a vó se lambuzando. Depois se vão, ele saltitante como um menino que ganha presente. E de repente troco olhar com o vendedor de melancia, e, mesmo desconhecidos, sorrimos na cumplicidade de adoçar o dia. 


   NOTÍCIAS DA CHÁCARA

   VALEI-NOS

   Lírios-do-vale trouxemos de viagem, raízes que plantamos aqui e ali na chácara e esquecemos – mas eles não nos esqueceram. Mal percebemos quanto germinaram mas cresceram formando touceiras e, um dia, eis que o perfume passeava no ar da tardezinha. 
   Colhemos os caules floridos, colocamos em jarros ao lado da cama e, se criados-mudos falassem, diriam que nunca nos viram dormir tão bem. A velha música que a água lava tudo, mas descobrimos que o perfume dos lírios-do-vale lava muito mais. Lava e leva aquela sensação de impotência diante de tantos atentados, a desilusão com tantas notícias de corrupção, a incerteza com a crise, a reprise de velhas novelas de politicagem, o amargor de saber que tantos trabalharam para tanto receber bem pouco e poucos que mal trabalharam recebem muito mais. 
   O perfume dos lírios diz não, não se iludam com o mal nem desejem o mal aos maldosos, prossiga no bem que lhes traz paz, o bem mais precioso que você tem. Boa noite, amanhã é um novo dia e, se o sol e a chuva não esquecerem de nós, continuarem a florir para vocês!
   Então tudo bem: valei-nos, lírios-do-vale! (Crônica do escritor e jornalista DOMINGOS PELLEGRINI, caderno FOLHA 2, página 3, coluna AOS DOMINGOS PELLEGRINi – NOTÍCIAS DA CHÁCARA – Valei-nos!, 3 e 4 de junho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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