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domingo, 28 de maio de 2017

PALAVRAS NÃO SÃO PERUCAS


   Escrever é um ofício que requer simplicidade e autenticidade para ter beleza



   O jornalista norte-americano William Zinsser tem no seu escritório a fotografia de um escritor com tudo que ele precisa para criar: no caso, uma antiga máquina de escrever – porque se trata de uma foto de época – e uma lixeira onde o autor jogava as páginas que reescrevia até chegar ao texto ideal. Detalhe: apesar do ambiente simples, o escritor tinha vista para o mar, isso significa que mais do que equipamento e até mesmo alta tecnologia, ele precisa ter à sua volta coisas que estimulavam a imaginação e, mais que isso, a abstração. E aí não importa se a vista é para o mar ou para um tanque de peixes no quintal. 
   Zinsser falava dessa fotografia na abertura de seu livro “Como escrever bem” (Três Estrelas, 2017), um manual que já vendeu milhares de exemplares desde que foi publicado em 1975 e tem ajudado gerações de jornalistas e pretensos escritores a entenderem que o segredo do bom texto é a simplicidade. 
   Zinsser é divertido e não pretende criar nenhum modelo rígido, afinal, uns escrevem de dia, outros de noite, uns gostam do silêncio, outros ligam o rádio, alguns ainda escrevem a mão quando anotam sonhos para fins literários, outros utilizam gravador. 
   Mas diante da avalanche de “escritores” criados pela internet, o mundo nunca esteve tão verborrágico e, neste caso, não custa lembrar que o maior inimigo do texto é o excesso. Textos rebuscados, excessivamente acadêmicos ou cheios de palavras que não têm função são colocados na lixeira imaginária de Zinsser. É para lá que ele manda advérbios desnecessários - “sorriu alegremente” – ou um adjetivo que declara o que já está implícito, “um alto arranha-céu”. 
   Mas a graça do livro está mesmo na observação do quanto as pessoas usam palavras supérfluas achando que assim vão escrever bem ou então desandam a escrever para impressionar quando só afugentam o leitor. 
   A simplicidade consiste em dizer que “João gosta de Maria” , mas muita gente, em busca de um “estilo” pode suar palavras como quem compra objetos numa loja de decoração, observa o autor. Estilo é algo inerente a uma pessoa, mas forçar a barra corresponde usar peruca para fazer tipo. A questão é não querer parecer quem não se é, não pensar que se tornará escritor porque enfeita o texto com adjetivos floreados ou estruturas que só complicam as coisas. 
   No jornalismo da era do politicamente correto, um bairro pode virar “área socioeconômica deprimida” ou o lixão se transforma em “campo de reciclagem”. O excesso leva a isso, incluindo às vezes o excesso de preconceito enrustido de quem escreve disfarçado com perucas. 
   Venho aqui nos fins de semana passar a vocês minha leitura do mundo mesmo sem ver o mar, mas um pedaço da cidade querida poluída pelas pombas. Só posso dizer que minha imaginação ainda assim voa num espaço limitado, levando a esperança de encontrar leitores que não fujam do meu texto, nem durmam diante do jornal ou da tela do computador. A escrita é a relação de intimidade entre duas pessoas, como lembra Zinsser, um tipo de conversa que entabulamos mesmo nem sempre existam respostas. Mas procuro simplificar a comunicação escrevendo o essencial, aquilo que não posso deixar de dizer, e não aquilo que transformaria meu texto num objeto de decoração numa sala rococó .
   Prefiro cortinas simples, uma única flor no vaso, um ambiente limpo onde não tenho o mar, mas posso voar como se fosse gaivota. 
   Textos são como as casas, o excesso só faz a gente tropeçar, derrubar as coisas e tropeçar na língua. (Crônica da jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI, página 2, caderno FOLHA 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 27 e 28 de maio de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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