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domingo, 28 de maio de 2017

BIJU -e MAMÕES CANTANTES


   BIJU
   Do trigo vêm os pães, bolos e bolachas, macarrão e lasanha, tantas comidas e quitutes – mas desde menino, e ainda para revisitar a meninice, para mim a maio façanha do trigo é o biju. 
   Depois de passar por duas esquinas de bijuzeiros sem sinal deles, falei a Caetano: é, vamos ficar sem bijus. E ele, na ainda ingenuidade dos nove anos:
   - Os bijuzeiros também estão em greve, vô?
   Falei que não, bijuzeiros são autônomos, sem empresas nem patrão desde meu tempo de menino. 
   O bijuzeiro rondava a escola nas horas de entrada e saída, e no mais do tempo varejava os bairros, com seu grande cilindro de latas nas costas e, nas mãos, a matraca. Ele tocava a matraca, a gurizada saía voando de casa com moedas suadas ou notas amassadas nas mãos. A matraca era o primeiro som do biju. 
   A gente rodeava o bijuzeiro e ele ia atendendo pela ordem de chegada mas, como continuavam a chegar, sempre dava confusão e ele perguntava quem chegou primeiro. Quase todos gritavam eu, eu, aí ele dava o próximo biju a quem estivesse calado, dizendo dou primeiro pra quem não mente. E então, depois de pagar o biju e botar de volta a tampa, que também era uma roleta, ele dizia rode e roleta, e você empurrava a lingueta com o dedo, ela girava passando pelos pregos enfileirados na borda, o coração pulandinho porque podia ganhar mais um biju. A roleta era o segundo som do biju. 
   O terceiro som ouço até hoje, a mastigação da massa crocante, quebrando nos dentes, reboando na cabeça. Os atuais bijuzeiros rondam os sinaleiros, os bijus em bacias de plástico, sem matraca, sem roleta, mas continuo comprando o terceiro som, assim também investindo num patrimônio cultural. 
   Pois o pão-de-queijo e a cachaça não foram proclamados patrimônios da cultura nacional? O biju tem mais história, veio dos índios, quando era feito ainda de mandioca, na cidade adotou o trigo e, com isso, massa com mais secura e firmeza, portanto a crocância tão própria. 
   E o gosto? Se a simplicidade é o máximo da sofisticação, conforme Da Vinci, nisso o biju é mestre.
   Então falo a Caetano para não se preocupar, os bijuzeiros voltarão:
   - Biju é patrimônio nacional, não tem greve nem governo que consiga acabar com o biju!
  E ele:
   - Mas e se fizerem uma crise que ninguém mais compre nem biju, vô?
   Meu neto está cada dia menos ingênuo.

   NOTÍCIAS DA CHÁCARA – MAMÕES CANTANTES

   Nosso lixo de cozinha não vai para o Lixão, vai para o chão, enterrados no pé de plantas do quintal, para se tornar adubo. Aí sementes de frutas germinam, principalmente mamão, r quatro mamoeiros se tornaram companheiros diários, há meses nos dando mamões com regular disciplina: primeiro amadurecem os de baixo, como na foto, os mamoeiros parecendo nos facilitar a colheita. 
   Mamão é herança mexicana, a se espalhar pelo mundo desde o tempo das caravelas – e nosso mamoeiro faz lembrar Pedro Vaz de Caminha, ao escrever ao Rei que aqui, em se plantando, tudo dá. E mamão dá mesmo não se plantando. Na mesma carta, Caminha pediu ao Rei emprego para um parente seu, registrando assim o primórdio do nosso nepo-nepotismo nos serviços públicos. Com olhos positivos, melhor ver nos mamões a prodigalidade, como grandes mamas que, maduras, são perfuradas pelos passarinhos, pois sempre deixamos algum mamão para eles. Vão comendo por dentro, deixando o mamão apenas com sua casca pendurada, e então vemos passarinho todo enfiado ali, só com o rabo de fora, como se o mamão vazio fosse voar... E, comido pelos passarinhos, até cantoria o mamão dará. (Crônica do escritor DOMINGOS PELLEGRINI, d.pelegrini@sercomtel.com.br página 3, caderno FOLHA 2, coluna AOS DOMINGOS PELLEGRINI, 27 e 28 de maio de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA). 

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