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domingo, 30 de abril de 2017

MUDANÇANDO E CARINHENTE

   Dalva me convocou para ir com ela ao cabeleireiro e, entretido com revistas, só fui perceber porque quando perguntou o que achei, fiquei mudo: ela cortou curtinho, quase careca, explicando moleca: 
- Cansei de pintar, vou assumir os cabelos brancos. 
   Desconfio que o novo visual também é vital: ela está passando por mudanças profissionais, já passou da metade da meia idade, começando a encarar os cabelos brancos como conquista. Minha mulher está mudançando. 
   Mudançar é ousar nova dança, arriscar ser criança, riscar do caderno a desesperança, reformar-se sem medo, investindo em ações ditadas pelo coração. 
   Mudançar é transformar a alma, aventurar com confiança, formar novas alianças, trabalhar novas esperanças, e isto não são apenas rimas, é o que ela está fazendo na vida real mesmo, os cabelos brancos serão apenas a bandeira de suas mudanças. 
   Pois quando giramos o disco de Newton todas as cores não viram uma só? A cor branca! 
   Quando esquecemos algo de repente, dizemos “deu branco”, não? É o branco que apaga as crenças anteriores, os preconceitos, as resistências, os remorsos e rancores, deixando a alma pronta para mudançar . Mandela mudançou, saindo de décadas de prisão e, em vez de comandar uma guerra civil, pregando perdão e mudanças. 
   Voltando ao cabeleireiro, primeiro fiquei atarantado, olhando incrédulo porque acostumado a ver uma Dalva e deparar com outra de repente. Depois passei a mão em sua cabeça raspadinha, me arrepiando, daí ela sorriu: 
   - Calma, eles não vão ficar assim. Vão todos crescer e embranquecer...
   Agradeci a Deus, por me dar uma mulher que perde belos cabelos, ganha cabelos brancos e continua com bom humor. 
   Então a porta se abriu e apareceu um sorriso, uma voz a perguntar se alguém ali queria comprar queijadinhas. E vimos que mudançar também é persistir em vez de desistir, como estão fazendo tantos desempregados, fazendo bico com alegria, vendendo queijadinha hoje para pagar a farinha comprada ontem, criando caminhos para continuar na trilha do bem, sem se render, continuando honestos apesar de pobres, bons de coração e nobres de espírito. 
   A gente anda cansado de tantas notícias de corrupção, mas não, são notícias de mudanças, o Brasil está cortando velhos costumes para deixar brotar nova alma. Estamos mu-dan-çan-do!

   NOTÍCIAS DA CHÁCARA

   CARINHENTE


   Relembro todo dia o haicai da foto, graças à Branquinha. Ela é uma carinhete, carente de carinho, o tempo todo procurando afago. Aceita negativas, e então me deixa trabalhar, mas diante da escrivaninha. Onde vou, vai junto, pronta para receber carinho, olhar amoroso, rabo abanandinho. Quando Leta, nossa última cachorra antes dela, foi-se de repente, senti não ter sido mais carinhoso. Mas o tempo só volta na forma de arrependimento... e resolvi que arrependimento não terei com Branquinha. 
   Toda manhã ela me saúda pulando alto, alegre como só, deixado bem claro que está m-u-i-t-o feliz de me ver. Então agacho e lhe faço carinho. Na cabeça, no pescoço, no lombo, na barriga, carinho completo. Daí ela corre louca de alegria, rodopia, saltitante de felicidade. Depois de nosso minuto de brancarinho, lavo as mãos na primeira de muitas vezes ao dia, e é só o que custa dar o que tanto quer quem me quer tanto. (Crônica do jornalista e escritor DOMINGOS PELLEGRINI, d.pellegrini@sercomtel.com.br página 3, coluna AOS DOMINGOS PELLEGRINI, caderno FOLHA 2, 29 e 30 de abril de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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