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sábado, 11 de março de 2017

UMA GRANDE MULHER


   Anos 50. Uma mulher jovem, quase adolescente, cabocla da roça, aventurando-se numa terra diferente, longe da família paterna, acolhida pela nossa família a partir do casamento. Para os padrões da época tudo se conformava. 
   Mas a vida tem suas contingências. A doença transformou a realidade e empurrou para a mudança. De repente, a mulher, jovem demais e experiente de menos teve que respirar fundo e ir à luta. Viúva, pobre, jovem, bonita, duas filhas pequenas e mais dois na barriga, empreendeu uma caminhada sem trégua, ignorando os preconceitos, superando as fragilidades, mantendo-se firme e forte como deve ser uma mulher de verdade, resistindo às barreiras da opressão que até hoje cerca o ser feminino. O motivo para tanta resistência? Os filhos. Ela mesma costumava dizer que era uma galinha choca!
   Abriu mão de um novo amor para sua vida que agora só tinha lugar para o trabalho e a responsabilidade de criar os filhos, provê-los, defendê-los. Instalou um pequeno bazar na cidade e, além do comércio, tornou-se uma grande costureira. Empreendedora, juntou seus talentos, aprimorou-se num curso de corte e costura por correspondência. 
   Tinha tantos amigos e amigas na cidade que até hoje me causa admiração: eram homens, moças auxiliares de costura, gente da roça, muitas comadres e compadres, vizinhos, mulheres “faladas” por serem sustentadas por homens bem casados. As novidades do bazar e as peças costuradas com perfeição faziam o sucesso e enlouqueciam as mulheres. 
   Contava com a ajuda dos meus avós paternos, das amigas e vizinhas, naquele tempo em que as pessoas costumavam se preocupar umas com as outras e exista um sentimento chamado “estima” que as tornava tão unidas! Costura o dia inteiro, sem domingos, sem dias santos, e se estendia pela noite. Até hoje recordo o barulhinho da máquina de costura na madrugada.
   Aproveitando o trabalho que deu certo, aprendeu, com um alfaiate amigo, a costurar roupas masculinas. Ninguém competia com ela. Era perfeita! 
   O tempo foi passando. Não me lembro de minha mãe saindo pra se divertir, mas nossa casa era muito alegre e movimentada com o vaivém dos fregueses, principalmente das mulheres que traziam tecidos e mais tecidos – e ela aceitava todos. Os figurinos modernos me encantavam: vestidos de saia godê, plissadas, franzidas, drapeados maravilhosos, golas, decotes, pregas, bolsos, tecidos finos, de acordo com a última moda. 
   Minha mãe aprendeu a ser mulher com a vida – e vida dura! Versátil, inteligente, esperta, brava, sabia calcular, ler e escrever muito bem, possuindo o conhecimento básico numa época de puro analfabetismo. Foi, então, convidada pelo Prefeito para ser professora de 1ª a 4ª séries. Sua competência a tornou uma grande professora, amada e respeitada. Tinha um jeito de ensinar como ninguém!
   Mãe e pai, referência em nossas vidas, gênio forte, amorosa e possessiva, cometeu muitos erros, mas muito mais acertos. Mais forte que todos os problemas, com unhas e dentes enfrentou o mundo!
   Olhando para sua história, que chegou quase aos noventa anos, diante das histórias de tantas outras mulheres, penso com meus botões e costuro essa história: essa é a grande mulher que me ensinou a viver! (Crônica escrita por ESTELA MARIA FREDERICO FERREIRA, leitora da FOLHA, página 2, coluna DEDO DE PROSA, caderno FOLHA RURAL, 11 e 12 de março de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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