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sexta-feira, 10 de março de 2017

O MUNDO PÓS-VERDADE


   Como resumir um ano de tantas notícias surpreendentes em uma só palavra? O que tem em comum a saída do Reino Unido da União Europeia, a eleição de Trump, as guerras no Oriente e as nossas escolhas políticas? Alguma coisa pode conectar tudo isto, além do aquecimento global que nos torra os miolos? Pois o Dicionário de Oxford acaba de nos dar uma valiosa contribuição para entender o mundo em que vivemos. Escolheu como palavra do ano uma expressão pouco conhecida: pós-verdade. 
   O serviço da Universidade de Oxford tem autoridade para tanto. O dicionário começou a ser concebido em 1857. A tarefa foi entregue ao professor James Murray, em 1879. Cinco anos depois, ainda não tinham saído da letra “a”. Somente em 1884 os primeiros volumes foram lançados. O alfabeto só seria coberto em 1928, com 400 mil palavras. Essas referências ajudam a entender que não se trata de um dicionário comum. Ele tenta registrar as palavras desde a sua origem até seu uso corrente nas ruas, como elas ganham novos significados e se incorporam às nossas vidas. 
   Pos-truth. É um adjetivo. Não chega a ser novo. Tem uma década, pelo menos. Mas os estudiosos de Oxford perceberam que nos últimos tempos seu uso passou a ser mais frequente: em artigos acadêmicos, por escritores, nos jornais e, finalmente, nas ruas. Como em 2015, quando os “emojis” dominaram o mundo. 
   Pela definição do dicionário, pós-verdade quer dizer “algo que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência para definir a opinião pública do que o apelo à emoção ou crenças pessoais”. Em outros termos: a verdade perdeu o valor. Não nos guiamos mais pelos fatos. Mas pelo que escolhemos ou queremos acreditar que é verdade. 
   A palavra se tornou recorrente depois da surpresa do Brexti e da eleição “sangrenta” nos Estados Unidos. Mas pode perfeitamente ser aplicada ao nosso momento político. Para o jornalismo, é uma má notícia. Embora seja quase folclórico em nossas relações citar algum dono do jornal (e os nomes variam) que teria por vício repetir diante de alguma notícia que não queria saber dos fatos, mas da versão que o jornal iria publicar. 
   O terreno da internet tem se revelado fértil para a propagação de mentiras -, trincheira dos haters. Levamos tanto tempo para estabelecer uma visão “científica” dos fatos, construir a isenção do jornalista, a independência editorial e, de repente, vemos que o debate político se dá entre “socos e pontapés”. A pós-verdade arrasta a política, o jornalismo, a Justiça, a economia, a nossa vida pessoal...
   Seria prudente resgarmos o território da verdade. Substantivo feminino. Simples assim. Expressão dos fatos, e fatos podem ser verificados. Esse é o papel do jornalismo. Ou torcemos para que no ano a palavra escolhida pelo Dicionário de Oxford não seja parecida com desastre. (Crônica de LUIZ CLÁUDIO LATGÉ, jornalista e executivo em empresas de comunicação. Leia mais artigos, utilizando aplicativo capaz de ler QR Code e posicionando no código abaixo:
, página 2, coluna ESPAÇO ABERTO, sexta-feira, 10 de março de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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