Pediatra orienta que cabe aos pais confiscar o celular da criança na hora de dormir |
Manual da Sociedade Brasileira de Pediatria pede atenção dos médicos para possíveis danos físicos e comportamentais decorrentes do uso excessivo de tecnologias
Queixas de dor de cabeça, transtornos alimentares, falta de atenção, problemas oculares, sono alterado e irritabilidade começam a se tornar cada vez mais frequentes nos consultórios dos pediatras. A causa de tantos problemas é quase sempre a mesma: excesso de uso de tecnologia de informática. Certa de que o abuso no uso das “telas” – como são chamados computadores, TV, tablets, celulares e videogames – prejudica a saúde de crianças e adolescentes, a Sociedade Brasileira de Pediatria lançou no mês passado o manual de orientação “Saúde das Crianças e adolescentes na era digital”.
O objetivo da da publicação é alertar os pediatras para a necessidade de incluir na rotina a investigação sobre hábitos relacionados ao uso das telas nas consultas médicas. O documento também traz informações para pais e educadores sobre a importância de dosar o acesso às tecnologias. Entre as orientações para os médicos, consta a necessidade de prevenção, diagnóstico e tratamento dos danos à saúde física, decorrente do uso abusivo das tecnologias digitais.
Pede ainda uma avaliação mais criteriosa de crianças e adolescentes que apresentam comportamentos agressivos, dissociativos entre o mundo real e o virtual, dependentes da tecnologia-internet-videogames, transtornos de sono, alimentação, higiene, uso de drogas ou queda do rendimento escolar. Sinais de violência, prática de bullying e cyber-bullying, sinais corporais de automutilação ou relato de “desafios” também podem estar associados ao exagero no uso das tecnologias.
“O guia foi motivado após conversas entre médicos sobre casos recorrentes de excesso de uso de tecnologia de informática nos consultórios”, explica a pediatra psicoterapeuta Betinha Cordeiro Fernandes, membro do comitê de adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). A medida revela que ela própria é uma aficionada por informática, gosta de games e sabe montar e reformar computadores.
“A tecnologia pode ser muito boa, mas crianças e adolescentes são pessoas em formação, cujo amadurecimento cerebral não está pronto. Neste contexto, há tendência de desenvolver a compulsão pelo prazer proporcionado pelas telas sem reflexão crítica sobre a hora de parar”, alerta, lembrando que o uso saudável ocorre quando promove desenvolvimento positivo. “Costumo dizer aos pacientes que “água de menos desidrata, água demais afoga”, brinca.
As consequência do uso excessivo das telas podem ser físicas ou comportamentais. “A modificação do sono é uma queixa física recorrente, há muitos casos de crianças e adolescentes que ficam zapeando até de madrugada. Isso pode afetar o crescimento e também influenciar na disposição para o dia, inclusive na escola”, alerta.
Outras queixas são problemas oculares – ressecamento da ucosa do olho que causa ardor – e Lesão por Esforço Repetitivo (LER) por repetição de movimento dos polegares. Há relatos ainda de dor no pescoço por estar sempre de olho no celular e transtornos de alimentação pelo hábito de comer em frente aos dispositivos. “As crianças e adolescentes perdem o horário de alimentação, passam a fazer lanches e não comem nada saudável , o que predispõe para sobrepeso e obesidade”, afirma.
SERVIÇO
O manual “Saúde das crianças e adolescentes na era digital” está disponível para download gratuito no site do SPB: https://www.sbp.com.bt/
MENOS TELA, MAIS BRINCADEIRAS
Ao invés de construir o próprio pensamento simbólico, crianças que são exageradamente expostas a tecnologias acabam absorvendo os símbolos oferecidos pela mídia. “Tudo aquilo que, gratuitamente, vem ao seu encontro pelas telas, deveria ter sido construído pela criança”, afirma a pedagoga Eliana Morinaka, coordenadora do Instituto Educação Infantile Juvenil (IEIJ). Diante da experiência de 43 anos trabalhando com estudantes, ela garante que a criança pequena só aprende através da experiência. “O visual só tem valor se houver a experimentação da criança com o objetivo de aprendizagem. A criança desenvolve a inteligência através do movimento e da motricidade”, ensina, destacando que, nesta idade, desenvolvimento corporal é que vai dar o equilíbrio para o desenvolvimento cerebral.
Por isso, Eliana é categórica. “Quanto menor for a criança, menor deve ser o tempo de exposição à tecnologia. Meninos e meninas devem ficar fora de casa, desfrutando de brincadeiras ao ar livre” pede. Ela defende que a tecnologia é um dos recursos para promover a aprendizagem. “Mas não é a aprendizagem em si mesma que vai ajudar o sujeito a desenvolver a Inteligência. É preciso, portanto, a orientação do professor, na escola, para orientar e conduzir a ferramenta para o uso adequado”, comenta.
No dia a dia, ela observa que a capacidade de atenção das crianças e dos jovens está cada vez menor. “Além disso, as crianças sentem maior dificuldade em desenvolver o pensamento simbólico, uma vez que tudo lhes é dado, e não construído “, reforça. O uso exagerado de tecnologias também influencia o desenvolvimento da motricidade fina em seus mais diversos aspectos, como marcenaria, atividades manuais e jogos.
Para a pedagoga, a tecnologia, apesar de importante, não está ajudando as pessas a terem igualdade em seus relacionamentos com a maior diversidade possível. E cita exemplos recentes, como agressões a imigrantes e incêndios em oficinas onde trabalhavam bolivianos, para reforçar que “aa tecnologia em pouco ajuda a melhorar os relacionamentos internacionais humanos”. “ Hoje, a tecnologia ajuda a criar grupos que se aproximam por semelhanças para rechaçar os diferentes. Estamos polarizando cada vez mais as pessoas”, opina. (C.A.).
ATENÇÃO AOS BEBÊS COM MENOS DE 2 ANOS
Os problemas comportamentais provocados pelo uso excessivo de tecnologias são considerados “mais preocupantes” pela pediatra e psicoterapeuta Betinha Cordeiro Fernandes, membro do comitê de adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). “Crianças e adolescentes que não conseguem atender às normas da casa sobre a hora de comer e dormir chegam a esconder o celular no travesseiro para usar de madrugada”, conta, orientando que, nestes casos, cabe aos pais confiscar o celular durante a noite. “Muitos deixam de prestar atenção à aula porque estão com o aparelho sob a carteira durante a escola”, complementa.
Ela alerta que o hábito de fazer duas coisas ao mesmo tempo, como zapear durante as aulas ou fazer tarefa ouvindo música cria o péssimo hábito de não focar em uma atividade por vez. “Os sintomas acabam associados a Transtorno de Deficit de Atenção, mas é uma questão de hábito”, define. Outra consequência importante é a irritabilidade. “Quando não come bem ou dorme bem, o corpo ressente”.
“Adolescentes e crianças que passam muito tempo no computador podem estar em depressão ou até mesmo em dependência à tecnologia da informática, quando a vida virtual passa a ser o centro da vida da pessoa”, preocupa-se. Nestes casos, atividades como se relacionar com pessoas da mesma idade, ir à escola, passar tempo ao lar livre e ler livros tornam-se secundárias. “Os casos gritantes procurar ajuda, mas muitos outros passam despercebidos, sem qualquer movimento para ajudar a criança ou adolescente a recuperar a vida saudável”, acredita.
A SBP também alerta sobre o uso precoce de tecnologias da informática, muitas vezes por bebês com menos de 2 anos. “As telas são usadas como babá dos tempos atuais. As brincadeiras de crianças são substituídas por atitudes passivas, sem interação com outras crianças”, destaca. Nesta situação, não desenvolvem atitude crítica e assimilam as informações como se fossem naturais. “Crianças pequenas devem brincar com coisas que desenvolvem a motricidade a capacidade de interagir, para não ficarem isoladas”, recomenda. (C.A.).
(CAROLINA AVANSINI – REPORTAGEM LOCAL, página 9, FOLHA ESPECIAL, SINAL DE ALERTA, 3 e 4 de dezembro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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