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quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

'MARIA'

 Enquanto aguardava atendimento na sala de espera de um hospital, uma menina sentou ao meu lado e ficou olhando para um livro que estava em minhas mãos. Ela me perguntou que livro era aquele. Imediatamente eu virei a capa para sua direção para que ela lesse o título. Para minha surpresa, ela me disse que não sabia ler, que só conhecia as letras. Fique assustado com a resposta e de imediato perguntei quantos anos ela tinha e se ela estava em uma escola. Ela me disse que tinha nove anos e que estava estudando. Conversamos um pouco e durante nossa conversa mostrei as letras da capa do livro, ela identificou todas as letras: N,O,T,A,S,D,O,S,U,B,S,O,L,O. Maria me disse que estava no hospital porque sua mãe estava internada. Fiquei tão assustado com o fato dela não saber ler, que nem me preocupei em perguntar o que a mãe dela tinha e se ela estava sozinha no hospital. 
   Maria me colocou de frente com a nossa triste realidade cotidiana. Passamos nossos dias discutindo, se Fidel Castro é herói ou tirano, se o Reino Unido deve ou não permanecer na União Europeia, se a Hillary é melhor que o Trump, se o aborto deve ou não ser legalizado. Emitimos e compartilhamos opiniões e soluções sobre os mais diversos tipos de assunto e problemas. Enquanto isso, Maria passa a vida em uma sala de aula identificando as letras sem conseguir dar o devido significado às palavras. 
   A minha conversa com a menina me fez levantar a questão: que responsabilidade eu tenho com a pequena Maria? Na verdade, sou um cidadão de bem, pago os meus impostos e estou cheio de problemas para resolver. Tenho muitas contas para pagar. Além disso, sou professor universitário, devo me preocupar com os meus alunos que são todos adultos. O que eu tenho a ver com o ensino das crianças? Pensando bem, a Maria não deve estar se esforçando o bastante e é bem provável que falte meritocracia para ela juntar as letras e fazer com que elas tenham significado. Tento me convencer do contrário, mas ao que me parece Dostoiévisky foi assertivo em sua descrição da natureza humana. ( Crônica de PAULO JOSÉ DOS REIS, doutor em Física e professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste em Guarapuava, página 2, coluna ESPAÇO ABERTO, quinta-feira, 8 de dezembro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).  

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