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domingo, 18 de setembro de 2016

O PAÍS À BERIA DE UM ATAQUE DE NERVOS



  

   Há satélites que orbitam pela rede aproveitando a frequência dos outros para comunicar sua raiva ou falta de argumentos. 



    Vivemos dias delicados, um incêndio toma conta da opinião nacional e sobram queimaduras para todos os lados. Heróis perdidos, políticos desmascarados, amizades em risco, ideologias como fronteiras ou fronts, depende da ótica. 
   Um espelhamento profundo desse ataque de nervos passa pelas redes sociais, o momento inspira uma reflexão sobre os comportamentos. 
   Frequentemente escrevo para a rede à noite. No dia seguinte, também me deparo com comentários tocantes, agressivos ou patéticos. Longe de mim produzir regras para uso da rede social. Mas como usuária dou-me ao luxo da percepção e noto que a educação vem sendo solapada. E sou adepta da educação básica nas relações pessoais. 
   Na manhã seguinte aos meus posts, sobretudo os políticos, já encontrei enxurrada de xingamentos. Sinceramente, eles não fazem parte da minha linguagem cotidiana, não porque sou boa moça – também sei escrever palavras duras – mas evito palavrões que para mim tomam o lugar dos argumentos. Perdendo-se os argumentos, perde-se a razão. É possível ser firme, incisivo e até cortante sem xingar o outro. Não abordo desconhecidos em praças públicas – e a rede social não deixa de ser uma “praça” contemporânea – com gestos obscenos ou palavras que passam longe do respeito básico. 
   Nem sempre os palavrões são dirigidos a mim, muitas vezes são uma forma que as pessoas encontram para externar sua revolta, seu pensamento de forma direta e desajeitada. Tornou-se comum baixar o nível por bem pouco, é o caminho mais curto para quem forma opinião baseado na opinião dos outros, pegando carona na onda de revolta em massa, repetindo frases de efeito, posts de efeito, montagens fotográficas, piadas sem graça que só reforçam preconceitos e a neurose que pulsa nos subterrâneos e também na superfície deste momento nacional. Soltar os cachorros virou uma bandeira, um reflexo de atitudes políticas grosseiras que se encontra em vários segmentos de luta. A agressividade no lugar da civilidade consiste na tentativa de ameaçar o outro ou mesmo intimidá-lo. 
   Não minha página apago comentários grosseiros, nisso não faço concessões, ainda que o sujeito concorde comigo, se baixar o nível eu o ponho para fora. Não dou licença a ninguém para entrar em minha “casa” batendo as portas.
   Outro tipo comum nas redes é o provocador, o cara que nunca vem à sua página para comentar um filme, uma música, um poema. Ele fica à espreita, só aparece para comentar postos políticos e provocar o incêndio, ele faz testes para ver se você perde as estribeiras. De duas uma: ou estes sujeitos são chatos – aqueles “malas” que ninguém é obrigado a carregar pagando preço extra pela bagagem – ou são pessoas que defendem interesses em troca de favores obtidos junto a quem patrocina suas travessuras com pequenos regalos, “presentinhos” do mundo das relações pessoais e políticas. Trata-se da micro propina cotidiana. 
   Nunca ponho alguém fora da minha página sem deixar bem claro os motivos. Mas também não tenho nenhum sentimento de culpa em relação aos que ponho para correr. São pessoas que normalmente se fazem de desentendidas até última hora, encarando você com o cinismo de quem veste a capa do debate com facas embaixo da roupa. Não são pessoas que vêm somar, elas vêm confrontar para destruir ou intimidar. Sem falar dos tipos que vão às páginas alheias para ganhar foco ou fazer cena porque em seu próprio espaço não levantam discussão. São satélites que orbitam pela rede aproveitando a frequência dos outros para comunicar sua raiva, fanatismo ou falta de argumentos à altura de um debate civilizado. A esses sugiro que façam seus próprios posts e garanto que não irei às suas páginas. Dispenso as “cenas” e conheço de longa data os atores, quase sempre canastrões. (Crônica da jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI celia.musilligmail.com página 2, caderno FOLHA 2, 17 E 18 de setembro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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