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domingo, 11 de setembro de 2016

O DESTNATÁRIO NÃO FOI ENCONTRADO



   Em dias em que nada dá certo, deixe que as pragas voltem à sua origem

   Tem dias em que nada dá certo. Pode ser alguma oposição de Marte a Vênus, algum cochilo do anjo da guarda, alguma praga dos inimigos ocultos. Não acredito demais nessas possibilidade nem de menos, quando me deparo com dias em que nada dá certo. Por exemplo, numa terça-feira você está saído de casa para trabalhar, tranquila e de banho tomado, quando magicamente a maçaneta do apartamento antigo que acabou de alugar sai na sua mão. Você procura não perder o humor, sabe que na volta vai entrar de qualquer jeito porque no fim da tarde terá tempo para chamar o chaveiro.
   O humor arrefece um pouco quando, ao chegar no trabalho, descobre que esqueceu o crachá em casa e sem aquela “chave” você também não entra. Volta lá, ciente de que terá de tocar o interfone até que seu filho que tem um sono de pedra pare de sonhar com alguma banda de rock. Imagina que no meio daquele barulho onírico seja mesmo difícil de ouvir, mas eis que ele abre a porta depois do quinto toque e te recebe com cara de sono, afundado naquele gorro de “mano” que ele te fez comprar para compor a identidade de juventude transviada. 
   Até ali tudo ainda corre bem, mas você resolve passar no banco para sacar algum dinheiro e depois da terceira tentativa descobre que por um motivo inexplicável não consegue mais se lembrar da senha correta. Alguma oposição de Marte a Vênus, talvez um cochilo do anjo da guarda, uma praga dos inimigos ocultos ou apenas seus mais de 50 anso pesando, o que não chega a ser uma ideia confortável. 
   Mas sorri porque se lembra que tem um pequeno saldo em outro banco, mas precisa pegar o cartão de crédito na gerência, resolve então aproveitar para fazer a mudança de seu antigo endereço. Afinal, já mora há três meses na cidade e como vai à agência não custa também atualizar o cadastro na hora do almoço. Munida de documentos e com a cópia do novo contrato de locação, você chega ali toda certinha, disciplinada, cheia de boas intenções, sem levar em conta que seu anjo da guarda naquele dia tirou folga. 
   Depois de mais de quarenta minutos na fila – apesar daquele aviso na parede indicar que “todos os clientes são atendidos em 15 minutos” – você consegue falar com o primeiro gerente que solicita também a carteira de trabalho. Paciente você volta para casa a tempo de pagar o homem que trocou a maçaneta e levou seu últimos 50 reais. 
   Pega a carteira, volta ao banco depois de mais de uns 30 minutos dá de cara com outro gerente que pega seus documentos , confere tudo, mas diz que não pode atualizar seu cadastro nem liberar seu cartão porque você trouxe somente a cópia do contrato de locação e, ao contrário de seu colega, ele exige o contrato original. 
   Então, a ira guardada desde que a maçaneta saiu na sua mão ameaça um soco, você se contém mas diz entredentes que odeia a burocracia, mãe das desgraças que caem como raio em certos dias por pequenas coisas que te tiram do sério. Ainda assim, ensaia um sorriso amarelo e planeja voltar no dia seguinte às duas agências bancárias: numa para desbloquear a senha e na outra para atualizar seu cadastro porque, bem intencionada, revolveu informar ao gerente que havia se mudado e acabou sendo tratada como uma “cidadã suspeita”. Da próxima vez, planeje só revelar seu novo endereço quando se mudar para Marte, certa de que seu anjo da guarda estará de plantão por 24 horas e disfarçada para que nenhum inimigo oculto te localize. Assim, se houve pragas, que voltem para sua origem como essas cartas devolvidas pelo correio com aquele aviso: “O destinatário não foi encontrado”. (Crônica da jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI, celiamusilli@gmail.com página 4, caderno FOLHA 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 10 e 11 de setembro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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