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sábado, 10 de setembro de 2016

CIDADE GRANDE


   Estávamos na década de 1970. Eu e uma amiga trabalhávamos num sindicato rural e partilhávamos da vida sofrida e da situação dos trabalhadores rurais da época, a maioria boias-frias, pequenos proprietários, “encostados” ou aposentados pelo Funrural. 
   Morávamos em cidades pequenas e raramente viajávamos, a não ser pela vizinhança, sempre a trabalho ou em reuniões da igreja. Éramos funcionárias dedicadíssimas, menos pelo salário e mais pelo idealismo, e nos encontrávamos frequentemente para reuniões. 
Certa vez, o presidente do sindicato resolveu nos mandar para a capital do Estado, para fazer um curso na Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná (Fetap), com orientações relativas ao trabalho. Entre todos os funcionários, eu e minha amiga fomos as escolhidas. Ela era muito engraçada, bem humorada, muito responsável e esforçada no trabalho. Pela primeira vez iríamos sozinhas fazer uma viagem para uma cidade grande. 
   Planejando a viagem, no maior bom humor, ela me recomendou: “Para que ninguém desconfie que somos caipiras, de cidade pequena, inexperientes, e queira nos passar a perna, vamos fazer de conta que somos viajadas, que conhecemos tudo, Curitiba, então, não saímos de lá”, disse. E assim preparamos tudo, fizemos roupas novas, casacos, pois era inverno e embarcamos na grande aventura. 
    Minha amiga tinha um pequeno problema: se começasse a rir, dava uma crise de soluços e não conseguia parar. Quanto mais ria, mais soluçava. E ríamos mais ainda. 
   Já havíamos percorrido uns 80 quilômetros e passamos por três ou quatro cidades, quando o ônibus fez uma parada na cidade de Rolândia. De dentro do ônibus, animadíssimas e, ao mesmo tempo ansiosas, olhávamos a cidade e a estação rodoviária. ”Nossa! Rolândia é uma cidade grande”.
   Percebendo o grande “fora” nas próprias palavras, olhou para mim e começamos a rir, lembrando-nos do que havíamos combinado. E ela teve uma crise de soluços, das grandes, chamando a atenção de todos os passageiros. Deveriam achar que éramos realmente umas tontas, muito caipiras.
   Chegamos à capital e fomos para a sede da Fetaep, papelzinho na mão com o endereço e tudo o mais, onde nos encontramos com outros funcionários de todo o Estado. E foi uma festa, quer dizer, foram dias de trabalho e aprendizado. Visitamos o Passeio Público, pela primeira vez fomos a um shopping center, conhecemos Santa Felicidade. À noite, no alojamento, ninguém conseguia dormir, tamanha era a “concentração dos participantes, todos vindo do interior para aprender e, é claro, conhecer pessoas novas, passear, e outras coisas mais, próprias da juventude. Ao término do treinamento, havíamos feito muitos amigos, com os quais, posteriormente e por algum tempo, trocaríamos correspondência e nos lembraríamos com saudades. 
   Voltamos felizes, cheias de novidades, trazendo fotos em preto e branco da capital, tiradas no lambe-lambe, com nossas roupas novas, feitas especialmente para a viagem das caipiras à cidade grande. E, é claro, rindo muito com a crise de soluços, um “mico” que toda viagem, para ser boa, tem que ter. (ESTELA MARIA FREDERICO FERREIRA, leitora da Folha, página 2, caderno FOLHA RURAL, coluna DEDO DE PROSA, 10 e 11 de setembro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).    

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