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sábado, 23 de julho de 2016

NONNA JOSEFINA E SUAS FLORES EM VERSO E PROSA


   Sempre que ouço a música na qual o compositor Cartola afirma que as rosas não falam, mas são capazes de roubar e exalar o perfume da mulher amada, constato a atualidade da imaginação do poeta. Isso porque cada vez mais a ciência tem revelado que as plantas além de embelezarem e a alegrarem a vida das pessoas, também interagem com o ser humano, podendo sentir e reagir conforme a energia, positiva ou negativa, que transmitimos a elas. 
   Em várias partes do mundo cientistas buscam saber como esses seres chamados de vegetais se se comportam ao perceberem que serão cortados, arrancados ou dilacerados. Livros sobre a vida secreta das plantas atraem a atenção de milhares de pessoas e há anos vem influenciando o modo de viver de muitas gerações. Assim, arrisco dizer que se as rosas não falam deve ser por característica própria ou talvez porque prefiram pensar. Mas tenho certeza de que outras plantas e flores falam. Algumas sonham, muitas sorriem e outras choram. 
   Certamente entre as hortênsias, flores-de-maio, prímulas e margaridas, deve ter quem tenha aprendido a falar. Digo isso porque minha avó materna conversava com algumas dessas espécies. Quando criança todos os dias ia à casa da nonna Josefina, ajudando-a na limpeza, em tarefas na cozinha e compras em armazéns e bazares da redondeza, ganhando por isso alguns trocados, balas e doces. Ficava feliz quando podia acompanhá-la no trato diário das plantas e fascinado naqueles momentos em que percebia que a nonna confabulava com elas. 
   Naquela época não era comum vasos de argila ou cimento, então ela aproveitava latas de todo tipo ( banha, tintas, cera, óleos) e dava nova utilidade para panelas, bacias e chaleiras velhas. Tudo virava vaso para flores, folhagens, suculentas e cactos. O jardim da nossa casa ficava num grande corredor nos fundos da casa, com os vasos distribuídos pelos dois lados. Num deles, enfileirava as plantas que necessitavam de bastante sol e no outro, aquelas que gostavam de sombra.
   Diariamente, pela manhã e a tardinha, ela saía para cuidar das plantas e era nesses horários que conversava com suas amigas. Nonna Josefina foi um exemplo de ser humano: bondade, caridade e amor ao próximo eram seus princípios. Mãe de onze filhos, ainda arranjava tempo para se dedicar às plantas. Religiosa, dava especial atenção às coroas e lágrimas-de-cristo, asas-de anjo e espadas-de são Jorge. Solidária, trocava segredos com as sempre-vivas, onze horas e amores-perfeitos. Versátil, cuidava dos bico-de-papagaio, barrigas-de-sapo e bocas-de leão. Dava bom dia às petúnias, antúrios e copos-de-leite. Dialogava com as gérberas, singônios e caládios. Regava de carinho os gerânios e chamava as dálias de filhas, as samambaias de queridas, as sálvias e begônias de meninas. 
   Mão boa para plantar, dificilmente uma muda de suas rosas não vingava. Recebia e distribuía exemplares, era uma consultora para a vizinhança: mulheres e homens vinham de longe para tirar dúvidas, perguntar sobre plantio, regas e podas. Dizem que herdei dela o gosto pelas plantas e flores, tendo o privilégio de ser entre os trinta e seis netos, aquele que tem a melhor mão para plantar. Mas isso é pouco, para honrar o legado preciso aprender a ouvir o que as plantas têm pra me dizer. (GERSON ANTONIO MELLATTI, leitor da FOLHA, página 2, espaço DEDO DE PROSA, FOLHA RURAl, sábado, 23 de julho de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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