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sábado, 23 de julho de 2016

CULTURA SEM TETO

   "O Grande Circo Místico": no Festival de Música, três sessões lotadas num espaço que é símbolo de resistência da arte
   Artística por vocação, Londrina merece que seus teatros sejam colocados em pé

   O Festival de Música de Londrina terminou na última quinta-feira depois de trazer sua alegria peculiar à cidade. Atraiu um público de cerca de 40 mil pessoas, contando os espetáculos em teatros, nas ruas e espaços públicos. 
   A tradição musical e tradição cênica de Londrina – aquela celebrada a cada ano no FILO, que desta vez vai acontecer em agosto – dá à cidade um perfil artístico pouco visto em outros centros urbanos. Com exceção dos grandes centros, como São Paulo, são poucas as cidades de médio porte que tem um público formado para assistir a espetáculos. Some-se a isso um tipo de “carpintaria artística” que ensinou Londrina a fazer muito com pouco, isso se refere à sua precária estrutura física e à falta de espaços adequados para seus artistas. 
   Uma das apresentações mais felizes do Festival de Música foi o espetáculo “O Grande Círco Místico”, que resgatou o encantamento de uma montagem que foi criada no Paraná nos anos 80 e depois consagrada pelo público em todo o Brasil. Foi uma ideia feliz resgatar esse musical que originalmente foi dirigido pelo dramaturgo Naum Alves de Souza, no Teatro Guaíra, em Curitiba. 
   Em Londrina, a montagem teve a direção musical de Celso Branco – reconhecido nacionalmente como diretor e arranjador – e direção cênica do experiente Sílvio Ribeiro que já fez tantas coisas boas. A parceria do Festival de Música com o grupo vocal Entre Nós resultou numa montagem perfeitamente ajustada, de vozes afinadas e criação cênica competente, que reuniu atores e cantores de várias gerações. Foi bonito ver aquilo no palco em três sessões lotadas. 
   O que chama a atenção é que espetáculos tão bons tenham que se adaptar à falta crônica de teatros em Londrina, desde os anos 80 cogita-se a construção de um Teatro Municipal, mas chegamos ao século 21 contando com alguns teatros privados – bons por sinal – e espaços públicos aniquilados. 
   Cada cidade traça um destino, o de Londrina é absolutamente artístico, embora o Teatro Ouro Verde tenha sofrido um incêndio, a construção do Teatro Municipal esteja paralisada e o Circo Funcart – que já nos deu tantas coisas – esteja precisando urgentemente de reforma. 

   ARTE E IMPROVISO

No Festival de Música, concertos na Catedral Metropolitana  chegaram a reunir público de quase 2 mil pessoas

  Não e possível continuar com o improviso, observar as estruturas rangendo, colocar o público em poltronas quebradas que pertenceram ao antigo Teatro Ouro Verde, exigir que artistas trabalhem sem camarim e sem conforto, embora com imensa alegria. Chamou a atenção nas sessões “O Grande Circo Místico” a precisão técnica, não só dos cantores e atores, mas do pessoal de luz e som. Isso faz parte da “carpintaria” já citada, da experiência comprovada de Londrina para produzir arte de boa qualidade. 
   Foi louvável e inteligente a iniciativa da direção do Festival de Música de fazer espetáculos nas igrejas da cidade. Houve concertos na Catedral Metropolitana para público de quase 2 mil pessoas. Em outras cidades do país e também no exterior são comuns os concertos em igrejas, mas a diferença aqui é que a demanda se dá por falta de estrutura. Sem teatros, Londrina continua fazendo o melhor possível por sua arte e seria importante que as autoridades das três esferas -  federal, estadual e municipal – ligassem seus botões de sensibilidade , suas antenas de captação dos desejos da comunidade, seus sensores de observação da demanda pública e colocassem os teatros de Londrina em pé. 
   Seria honroso para os políticos influentes – especialmente os deputados federais de Londrina e região – conseguissem verbas para concluir o Teatro Municipal. Seria honroso que o governo do Estado concluísse a restauração do Teatro Ouro Verde até o fim de 2016 – que é o prazo estimado. Pelo tempo que decorreu desde o incêndio as obras estão atrasadas. Seria uma ideia feliz o poder público municipal, juntamente com a comunidade e os empresários, fazer uma campanha para a reforma do Circo Funcart que é administrado por uma fundação que, certamente, receberia de bom grado a iniciativa. O mesmo vale para outros espaços cênicos. 
   A construção e manutenção de teatros públicos em Londrina é uma necessidade, trata-se de uma cidade de alma poética, que precisa ser tratada com o respeito que seus artistas e seu público merecem. Essa força teatral e musical chega a emocionar num teatro modesto como Circo Funcart que é emblemático como símbolo de resistência. 
   O que não podemos é passar mais um ano nos lembrando das cinzas do Teatro Ouro Verde, das obras inclusas do Teatro Municipal, das poltronas quebradas dos pequenos espaços, enquanto os artistas dão o melhor de si e só por isso já merecem um tratamento à altura. Não tenham dúvidas, senhores, a arte e o público agradeceriam com alegria, teatro, dança e música. A ultura precisa de teto. (CÉLIA MUSILLI - Reportagem Local, página 3, caderno FOLHA 2, PONTO DE VISTA, sábado, 23 de julho de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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