Páginas

terça-feira, 10 de maio de 2016

O NASCIMENTO DA MINHA MÃE


   Sempre que visitávamos o cemitério de Araçatuba, minha mãe parava para rezar diante do túmulo de uma família japonesa. Um dia, ainda criança, perguntei-lhe a razão desse costume, então Aracy me contou uma história.
   Maria estava para dar à luz. Seria o seu primeiro filho e o primeiro neto de Pai Costa e Mãe Mulata. Ela gritava desesperadamente, com dores terríveis. 
   Mãe Mulata mandara chamar Isabel, experiente parteira da região, mas a situação era desesperadora. Ao verificar o estado de Maria, Isabel disse que seria preciso chamar um médico. “Senão vão morrer as duas, mãe filha.” Mal a parteira havia terminado de dizer essas palavras, Mãe Mulata saiu de casa, rumo à casa de Dr. Quincas, obstetra de renome. 
   Quincas achava aquele povo que morava para baixo da linha muito dramático e escandaloso. Faziam tempestade por qualquer bagatela. Ainda mais essa tal Dona Mulata, bugre selvagem, analfabeta de pai e mãe. Mandou Rosa, a criada, dizer que ele estava com uma crise de labirintite e não poderia ir. 
   Rosa persignou-se antes de dar a resposta à dona Mulata. Tinha medo de apanhar! De repente, teve uma ideia e disse: “O Dr.Quincas está com tontura, Dona Maria. Ele não consegue pegar nenen agora, não. Mas por que a senhora não procura o Dr. Japonês? Ouvi dizer que ele é bom. Mora vizinho da igreja”. 
   Dona Mulata saiu xingando Dr. Quincas até a quinta geração, mas não tinha tempo para discussões. Partiu rumo às cercanias da matriz. 
   Uns meninos que brincavam na esquina da Rua Olavo Bilac lhe confirmaram que o Dr. Japonês morava ali. Era mais um jardim com casa do que casa com jardim. Diante de uma moita de crisântemos, havia um pequeno tanque azul, onde cintilavam duas carpas. Uma janela de madeira se abriu e homem de cabeça amarela e oval, quase um cuco de relógio, com óculos e bigode. Ele não sorriu. Disse apenas: “Já vou”. E foi. 
   Dona Mulata caminhou ao lado do médico pelas ruas que conduziam à estrada de ferro. Ele trajava um terno preto que lhe faria parecer mais um corretor de imóveis com sua maleta de couro marrom desbotado.. Na lapela. Em vez de flor ou lenço, havia uma cabeça de estetoscópio. 
   Chegando à Rua Castro Alves, número 15, o médico entrou na casa em silêncio, mas não deixou de fazer uma reverência ao Pai Costa. Maquinista de trem que o havia conduzido diversas vezes em viagens até a casa de parentes em Pereira Barreto. Foi até o quarto de Maria. Minutos depois, ouviu-se um choro de criança: o Dr. Japonês abriu a parta e sorriu: “É uma menina”, ele disse. 
   Foi assim que o Dr. Yampei Kikuchi salvou a vida de minha avó e minha mãe. Noto que a última letra do nome Aracy é também a primeira letra do nome Yampei. Isso deve ter algum significado; então eu entendo por que minha mãe rezava. ( COLUNA AVENIDA PARANÁ – por Paulo Briguet, página 5, FOLHA GERAL. Fale com o colunista: avenidaparana@folhadelondrina.com.br, segunda-feira, 9 de maio de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

Nenhum comentário:

Postar um comentário