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domingo, 1 de maio de 2016

MULHER RECATADA, EXIBIDA, CUSPIDA





   Entre as recatadas e exibidas, fico com as que transcendem fantasias individuais e assumem atitudes coletivas

   Mulher elogiada, mulher criticada, mulher cuspida, mulher exibida, mulher sentada na cadeira de Eduardo Cunha. Ultimamente o foco tem sido nelas, ou melhor, e nós, filhas de Eva e da revolução feminista, entre o pecado e o direito, entre a cruz e a caldeirinha.
   Na semana passada, escrevi um artigo falando sobre a liberdade feminina enquadrada às vezes sob uma ótica masculina que trocou a expressão polêmica “Bela, recatada e do lar” – usada por uma revista como título de um perfil de Marcela Temer – por “Bela, recatada e do bar”. Não demorou muito, a crítica à Marcela, de viés francamente ideológico, silenciou diante das fotos de Milena Santos, mulher do ministro do Turismo Alessandro Teixeira, que fez um ensaio sensual no gabinete de trabalho do marido. Trata-se da ocupação de um espaço público por uma atividade muito particular, um gabinete pago pela população no qual um mapa-mundi na parede dá a impressão de estarmos assistindo a uma versão da Escolinha do Professor Raimundo. Nada contra o erotismo em fotografias, mas a imagem de Milena, em ambiente tão inusitado, projeta a imagem do Brasil que queremos um
dar: de bumbum grande, peitudp e de pensamento estreito.
   O fato é que as críticas à mulher recatada, não couberam à mulher exibida pela mesma razão: o viés ideológico, afinal, Milena é mulher de um ministro do governo, embora esta senhora seja também francamente “do lar”. Como não deixam dúvidas os elogios e apupos ao marido que ela fez nos sites e nos jornais. 
   De minha parte, apenas ressalto a enorme diferença que faz a ideologia, o partidarismo, e acho mesmo que nenhuma mulher deve ser julgada por ser recatada ou extrovertida, as duas coisas fazem parte do mesmo pensamento burguês, são as duas faces da mesma moeda que põe a mulher na cadeira dos réus por escolhas que, no fundo, são de foro íntimo. Resumo da ópera: Ninguém tem nada com isso. Minha única ressalva, no caso de Milena, foi ela ter usado um ambiente oficial, pago pelo dinheiro público, como estúdio fotográfico de suas fantasias. 
   No meio dessa polêmica tivemos ainda a cuspida que o ator Zé de Abreu deu no rosto de uma mulher num restaurante, repetindo depois no seu prato. Atitude que não se justifica em e prato algum ou no rosto de qualquer pessoa. Sobre isso também caiu um condescendente silêncio, mais uma vez movido por uma atitude ideológica que polpa algumas cuspidas e aplaude outras.
   Mas minha cena preferida foi protagonizada pela deputada Luísa Erundina (PSOL-SP) que num embate com Eduardo Cunha – que quis manobrar votações relativas à Comissão da Mulher – ocupou a tribuna com outras deputadas, mais: ocupou também a cadeira de Cunha até que ele aceitasse voltar à votação sob outras bases. Considero o ato de Erundina de um simbolismo supremo, gostei de ver aquela senhora resoluta, no alto de seus 81 anos, sentar na cadeira de um líder machista e autoritário que não sabe dimensionar o poder das mulheres nem sua criatividade. 
   Em tempos obscuros, a única luz é mover-se pelo que consideramos juso e não pelo que é partidário. O sectarismo não constrói nada, a inteligência, a presença de espírito e o senso de igualdade sim. Entre recatadas e exibidas, fico com as mulheres de atitude, sobretudo as que pensam no coletivo e não apenas em suas ilhas de fantasias. ( FONTE: Página 4, caderno FOLHA 2, espaço coluna CÉLIA MUSILLI, celia.musilli@gmail.com, domingo, 1 de maio de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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