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domingo, 1 de maio de 2016

SÃO JOSÉ DOS AUSENTES


   O frio chegou e graças a ele eu fiquei sabendo da existência de uma cidade chamada São José dos Ausentes. Trata-se de um pequeno município de 3 mil habitantes, situado na divisa entre os estados de Rio Grande do Sul e Santa Catarina, conhecido por apresentar algumas das temperaturas mais baixas do Brasil. 
   O nome dessa cidadezinha serrana – e por isso mais próxima do céu – une personagens que sempre aparecem aqui na Avenida Paraná: São José e aqueles que já partiram. Meu querido carpinteiro, pai adotivo de Jesus e patrono universal da Igreja, é o santo do silêncio, que não diz uma só palavra no Evangelho, mas se torna um personagem fundamental na história da salvação, graças à sua coragem e bondade. José é a imagem perfeita do homem justo, celebrado nos Salmos. 
   Graças a um convite recebi para dar uma palestra em Curitiba, senti-me bastante próximo a um amado ausente: meu pai. De quarta para quinta-feira, fiquei hospedado em um pequeno e acolhedor hotel do centro curitibano, que me fez lembrar o Hotel Piolin, no Largo Paissandu, que era sempre a nossa morada nas viagens em dupla a São Paulo. 
   O escritor Nilson Monteiro passou no hotel para me levar ao local da palestra; no caminho, resolveu parar numa lojinha para comprar umas balas de banana. Graças a essas balas, fabricadas em Morretes, pensei na minha querida tia Ruth, que nos servia de tais guloseimas, acompanhadas de Coca-Cola meio sem gás, quando os sobrinhos iam à sua casa em Mirandópolis. Ah, Tia Ruth, como eram deliciosas aquelas balinhas de banana e aquela Coca-Cola que parecia Pepsi!
   Naquela mesma noite, enquanto eu falava sobre minha trajetória política, outra ex-esquerdista fazia uma emocionante confissão no Congresso Nacional: Sara Winter descreveu aos parlamentares a dor que sente por ter concordado em fazer o aborto de seu primeiro filho. Graças às palavras pungentes de Sara, hoje mãe do Valentinho, pensei no filho que eu também não permiti nascer, e que hoje teria 23 anos. Estaria, talvez, terminando a faculdade. Qual seria o seu nome? Não sei. Ele também é um ausente. 
   Agora, graças a um trabalho de pesquisa de cientistas americanos, descobrimos que o momento da concepção humana, quando o espermatozoide fecunda o óvulo, é acompanhado pela emissão de raios de luz – minúsculos fogos de artifício que celebram a nova vida. O aborto é a interrupção deste delicado milagre. 
   Enfim, graças ao meu amigo e irmão Ranulfo Pedreiro e suas andanças de bicicleta pela zona rural de Londrina, fiquei sabendo de uma capelinha abandonada. Quantos ausentes ali rezaram, meditaram, comungaram? Não sei, me fez lembrar outra igreja, devastada por um incêndio, na cidade de Mariana, que contemplei há 16 anos e mudou a história da minha vida. Ranulfo estava ao meu lado nesse diaE continuamos na estrada, meu amigo. (FONTE: Coluna AVENIDA PARANÁ- por Paulo Briguet, página 3, caderno FOLHA CIDADES. Fale com o colunista: avenidaparana@folhadelondina.com.br, sábado, 30 de abril de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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