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segunda-feira, 11 de abril de 2016

OBESIDADE, DOENÇA (QUASE INCURÁVEL) DO CAPITALISMO?



   É muito mais difícil livrar-se dela que deixar o crack, demonstram novos estudos científicos. Por isso, proteção a crianças deveria ser máxima. Mas seria preciso contrariar certos interesses...

   Na última década, a obesidade migrou para 
o centro das atenções de Saúde Pública. Em países como o Brasil – para não falar dos norte-americanos – ela tornou-se um problema muito mais generalizado que a desnutrição. Ao abordá-la o enfoque é muitas vezes comportamental. Sugere-se que as vítimas do mal precisam de mais responsabilidade ao se alimentar e de determinação para corrigir atitudes inadequadas. Um conjunto de novas pesquisas científicas acaba de demonstrar que esta abordagem é, além de impiedosa, contraproducente. Ela busca objetivos inalcançáveis e deixa, por interesse, de perseguir outros, que seriam perfeitamente factíveis.
   Quem relata as novas pesquisas, num texto brilhante é o jornalista George Monbiot. No artigo, publicado no Guardian londrino [ 11/08/2015] , ele conta que:

   a – Deixar a obesidade é muito mais difícil que usar crack e não se viciar. Estudos anteriores revelaram (esqueça os mitos a respeito) que entre 10% e 20% das pessoas que buscam a droga derivada da cocaína tornam-se dependentes. A nova pesquisa, que examinou 176 pessoas obesas, descobriu que, destas, 97,8% das mulheres e 98,3% dos homens foram incapazes de deixar esta condição, ao longo de nove anos. A probabilidade não se aplica a pessoas que vivem em sobrepeso, mas não atingiram a condição de obesas. 

   b – Os mecanismos essenciais que produzem dependência à ingestão compulsiva de alimentos são idênticos aos que levam à adição ao álcool e outras drogas , revela outro estudo. Incluem, essencialmente, mudanças biológicas, desconforto com abstinência , incapacidade de controlar impulsos, sensação de recompensa, ao consumir a substância causadora do vício. Porém, a obesidade é mais tirana que o uso de drogas, mesmo entre ratos. Submetida a um experimento diz o estudo, a maioria deles “preferiu uma recompensa em açúcar a outra, na forma de cocaína”. 

   c – As campanhas morais voltadas aos obesos produzem muita culpa, mas nenhuma melhora. Na verdade, quanto mais consciente do seu mal, mais as pessoas tenderão a afundar nele. Há um único tratamento razoavelmente eficaz: as cirurgias bariátricas – que submetem os pacientes, em muitos casos, a riscos e sequelas graves. 
   Que mudanças deveriam ser desencadeadas por tais evidências? Para Monbiot, a resposta está evidente: “a tarefa crucial é proteger as crianças antes que elas desenvolvam dependências ao consumo abusivo de comida”. O problema, ressalta ele, é que isso exigiria uma abordagem muito menos tolerante frente a quem lucra com a dependência: uma indústria global de alimentos cada vez mais poderosa, concentrada e voraz. 
   Monbiot sugere: o avanço da obesidade é tão onipresente, e tão cruel, que deveria suscitar, em resposta, medidas duras. Entre elas, restrições à propaganda e marketing tão severas quanto as que limitam a indústria do fumo. Comida trash e refrigerante, por exemplo, só deveriam ser vendidos em locais pouco acessíveis dos supermercados, e em embalagens repletas de advertências. 
   O problema é que, até agora, a abordagem é a oposta: implica responsabilização das vítimas. No Reino Unido, o governo conservador fala em proibir acesso dos obesos ao sistema público de Saúde “até que aceitem tratar-se”. No mesmo país, acrescenta Monbiot, as doenças ligadas à obesidade (diabetes, por exemplo) , consomem 10% do orçamento nacional de Saúde. 
   Até quando – pergunta o autor – as sociedades pouparão os verdadeiros responsáveis pelo problema, apenas pelo fato de serem poderosos, e contribuírem generosamente com as campanhas eleitorais dos políticos?]. ( FONTE: ANTÔNIO MARTINS, página 45, revista O LUTADOR – abril 2016).

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