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quarta-feira, 20 de abril de 2016

A TIA


   Mais importante que reconhecer sua peculiar maneira de viver a vida é aceitar que é um jeito seu e isto basta a ela. Os gatos acordam-na, logo cedo, e, amável e serena, levanta-se, alimenta-os despretensiosamente. Tem dois pequenos, novíssimos. Ela os ama e protege com o esmero que têm as mães. Na geladeira, o papel com os horários das consultas a traz de volta. Apressa-se. Banho tomado e os pequenos nos braços, despede-se dos outros e sai.
   Descem as escadas do prédio com calma. Ela sorri sempre que os gatinhos mexem-se em seus braços. Na portaria, uma mãe, seu filho e seu cachorro interagem com o porteiro. O cachorro não se incomoda com os gatinhos e o menino vem vê-los, rapidamente brinca com eles, admirando sua felicidade – a dela e a dos gatinhos. A mãe e o porteiro abrem somente um meio-sorriso – não gostam deste tipo de bicho muito livre. 
   Na sala de espera, ouve por alguns minutos, espelhando as expressões daqueles que a estranham, às conversas cotidianas tão distantes dela. Não querida parecer enxerida mas não pôde evitar. Ficou perplexa quando ouviu uma menina, que não teria mais de 20 anos, falar sobre seu cabelo. Tinha os cabelos naturalmente cacheados, mas estavam alisados; com o calor não sabia se era legal cortá-los ou deixá-los como eram. A outra perguntou se o namorado gostava de cabelos curtos, as duas concordaram que era melhor não inventar quando se trata de cabelos. Um chamado de volta à vida: é a vez dos gatinhos. 
   Entram os três no consultório, ela e os gatinhos. O veterinário é simpático. Tudo pronto. Voltam pra casa. Desta vez o porteiro finge que não vê. Ela sobe as escadas com os gatinhos e algumas compras em mãos. Não precisa de ninguém. Os outros recebem-na em casa e ela se sente bem-vinda. Despede-se mais uma vez e vai trabalhar. À noite, quando volta pra casa, cansada, seus filhotes recebem-na outra vez. 
   Ela lê e passa um tempo com eles. Gostam dos seus carinhos. Ela vive assim. Uma vida que é própria dela, que ela inventou. Tem os filhos e a companhia que sempre quis. Aos finais de semana, recebe amigos e às vezes os sobrinhos em casa e compartilha com eles o seu mundo, a sua família. É tão livre quanto eles e mais livre que os outros. Uma mulher e seus gatos – uma revolução. ( LUCAS SANCHES, estudante universitário em Londrina, página 3, caderno FOLHA 2, espaço CRÔNICA, quarta-feira. 20 de abril de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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