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quarta-feira, 16 de março de 2016

A MÃE QUE ILUMINA O FILHO



   Ontem o Pedro se queixou de dor de ouvido. Quem é pai, sabe: a gente daria tudo para ficar doente no lugar dos nossos pequenos. É o que eu peço a Deus sempre que o Pedro adoece – Senhor, dai-me essa dor. 
   Se diante de uma simples dor de ouvido nos sentimos assim, imaginem qual não é o sentimento da mãe que vê o filho aos poucos perder o sentido da visão. Neste domingo, 13 de março, eu conhecei essa mãe. 
   Anos atrás, a professora londrinense Lucinea Rezende recebeu às cinco horas da manhã um telefonema do filho André, que na época morava em Salvador. Ele simplesmente queria compartilhar com a mãe a beleza de um nascer do Sol. 
   O tempo passou e André, hoje com 43 anos, não pode mais ver. No final de um domingo, Lucinea decidiu passear às margens do Igapó e fotografou com sua câmera um magnífico poente entre os prédios. 
   Costumo dizer que o Sol em Londrina não se põe: ele arde. Talvez com ciúme do azul tão espetacular do céu, a estrela solar recorda, no fim do dia, o sangue dos pioneiros e o incêndio das antigas florestas. A foto de Lucinea, que ilustra a coluna de hoje, traduz com perfeição o sentimento das nossas tardes. 
   Ao contemplar a foto, aconteceu o inevitável: Lucinea pensou no filho. Ela, que se tornou fotógrafa há poucos anos, também é uma apaixonada por literatura, e decidiu, então, descrever para André as cores e forma que compõem aquela imagem. Eis um trecho do que ela escreveu: 

   “Querido André,
   Na foto 4031, as cores vão do laranja ao preto. No centro, no sentido horizontal, está a imagem do lago, ladeado por árvores. Esse centro é multiplicado por dois, em razão do reflexo nas águas. É como se fosse um bicho qualquer, que tem a calda arredondada, maior que o corpo. Essa calda parece uma roda gigante... imagem e reflexo se juntam e entre as folhas das árvores, que constituem a imagem refletida nas águas, de cor escura, está a cor laranja, compondo filigranas, como uma renda escura, permeada pela intensa luz solar.
   Sobre as árvores, a imagem dos prédios. Em tons bege com pontos escuros, eles se mostram em sua imponência, ladeados pela cor laranja, como se fosse fogo a envolve-los. Como perfeitas labaredas, o branco, cinza e laranja compõem muitas cores, a emoldurar as construções. Tudo refletido, igualmente, nas águas do Lago.
   No início da imagem, à esquerda, a imagem de um prédio mais alto ocupa todo o espaço. Ao longo do espaço, no centro, visto conforme a linha do horizonte, prédios mais baixos se alternam, lado a lado. No céu e nos reflexos dele, as nuvens alaranjadas, com tons de cinza.”


A professora Lucinea Rezende , mãe do poeta e músico André Rezende Marques, leu essas palavras na reunião da Academia Londrinense de Letras, no último domingo. Ela lembrou que fotografar significa “escrever com a luz”. Ao retribuir o nascente em Salvador com o poente em Londrina, a mãe do André nos dá uma lição de verdade, bondade e beleza. 
- Senhor, dai-me essa luz. ( FONTE: Fale com o colunista: avenidaparana@folhadelondrina.com.br página 3, caderno FOLHA CIDADES, coluna AVENIDA PARANÁ – por Paulo Briguet, quarta-feira, 16 de março de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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