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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

SE MEU PAI ESTIVESSE AQUI


   Assim que meu pai terminou a sessão de quimioterapia saiu da clínica e deu duas voltas em torno do Lago Igapó. Era a sua despedida. 
Sempre que passo alguns dias na praia, acontece a mesma coisa: quase o tempo todo penso em meu pai. Ele teria completado 75 anos na semana passada, um dia depois da festa de São Paulo. 
   Meu pai adorava o mar. Dizia ter herdado esse sentimento oceânico de seus antepassados, que vieram do Mar Menor, uma lagoa de água salgada na região de Múrcia, na Espanha. O Igapó talvez evocasse memórias ancestrais.
   Eu me flagro pensando no que ele acharia de todos estes lugares, de todas estas coisas, de todos estes acontecimentos. Acredito que teria gostado muito do pequeno apartamento de aluguel e do restaurante de frutos do mar, simples como ele sempre quis. Teria conversado longamente com a senhora que vende peixes no mercado e nos explicou que não era a mulher do pescador; ela própria é pescadora, sai para o mar todas as manhãs. 
   Se me pai estivesse aqui, teríamos caminhado pelas areias e encontrado a capelinha de Nossa Senhora do Bom Parto, com a sua cruz de madeira banhada pela brisa marítima. E juntos faríamos uma silenciosa prece. Mesmo tendo sido agnóstico por muitos anos, acho que ele acabou aprendendo, com seu amado Dostoievski, que a beleza salvará o mundo.
   Quando ele morreu, encontrei na sua gaveta um envelope onde se lia  um decassílabo : “Se alguma coisa acontecer comigo”. Dentro do envelope, uma série de conselhos e orientações aos dois filhos e à mulher. Ele cuidou de tudo, minuciosamente. Ah, meu pai, se você estivesse aqui! Responderia às minhas perguntas e acalmaria a tempestade em nosso coração. 
   Certa vez perguntaram a um certo escritor europeu o que ele estivera fazendo durante os anos da Segunda Guerra Mundial. O escritor respondeu: “Sobrevivendo”. Nós, que vivemos aqui na cidade do Lago Igapó, nosso Mar Menor, nosso pequeno oceano, também queremos aprender a sobreviver – à crise, à insegurança, ao medo, 
   Ao me despedir do mar, pensei em nossa cidade, em nosso país, em nosso futuro. E silenciosamente pedi ao Pai que nos ensine a arte de sobreviver. ( Crônica do escritor PAULO BRIGUET, página 3, caderno Folha Cidades, espaço AVENIDA PARANÁ , por Paulo Briguet. Fale com o colunista: avenidaparana@folhadelondrina.com.br, quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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